O QUE NÃO SABEMOS SOB OS CINCO DENTIDOS

 

O que não sabemos sob os cinco sentidos

 
 
 
Como um fascículo raro e esquecido em uma biblioteca empoeirada que guarda todo o conhecimento do mundo, perdeu-se o sentido da vida. Não se busca. Deixou-se de lado a chave que destranca os mistérios de nossa existência em uma múltipla variedade de concepções que se aferroam, umas contra as outras, destruindo-se, destituindo-se, e se extinguindo. A pergunta nasceu, e a ciência a matou, para que em seguida, a pergunta ressuscitasse e matasse a ciência. Hoje, ambas vivem em discórdia. Morrendo e vivendo, e a vida acontece, neste meio tempo. Não é este o retrato do exato oposto de tudo aquilo que há de mais simples na "verdade da vida"? Será que a busca pela "sobrevivência" e pela "adaptação" tem exterminado constantemente a verdadeira resposta?
 
homem-vitruviano-leonardo-da-vinci-2012-size-598.jpg"Homem Vitruviano" - Leonardo da Vinci, Gallerie dell'Accademia, Veneza, Itália ©

Considere por um segundo que neste instante você morre, e que então, vive outra vez. Pense em como minúsculas partículas do seu ser estão deixando de existir, em como o seu “ente biológico” está partindo progressivamente desta para a melhor – ou para o quer que esteja “do outro lado da vida”. Tente calcular a quantidade de células que constituíram o seu “antigo eu”, o número de células velhas que estão sendo trocadas neste instante por uma série de outras mais bem adaptadas a tudo aquilo que foi feito do seu organismo ao longo do tempo. Pense nas condições nas quais se encontra a associação de relações metabólicas às quais você tem sido exposto desde o início daquilo que chamamos de “vida”. Pense em como isso simplesmente começou a funcionar no que convencionalmente você chama de “corpo”. O corpo humano, que talvez, seja uma das mais belas e engenhosas estruturas do Universo. Pense agora, em como milhares de seres humanos morrem todos os dias e em como outras dezenas de quilíades nascem momentaneamente para de certa forma “substituir” a presença de seus semelhantes nesta cadeia de ecossistemas. Pense na esfera de mutualidades entre os seres vivos que fornecem e reciprocamente recebem os benefícios deste conceito amplamente divergente: a vida. Por que algumas pessoas morrem cedo, outras tarde, e algumas por razões inespecíficas em eventualidades que nos fazem volver à velha questão do “por que morremos?”. Aliás, por que todas as pessoas morrem? O que é a morte em si? Por que ela existe? Qual a sua relação com o exato oposto do eu significado – a vida? Seria a morte também um conceito, ou uma lei intransigente que deve ocorrer sempre que o outro lado de sua balança pende para uma tendência em especial? Qual é esta tendência? Podemos revertê-la? Qual é o mistério por trás da vida em relação a “estas tendências”? O que é o “eu”, e por que ele “vive”? Por que a vida e a morte existem, e não o contrário? Não seria o contrário o mesmo que a “morte”? Se sim, a vida, é o contrário de nada?
Do ponto de vista etimológico, a palavra “morte” vem de um misto entre o latim “mors”, que significa “estar morto”, e da raiz “facere”, do verbo “fazer”, que entre outras coisas significa “produzir”, “criar”, “cunhar”. De certa forma, é como se impresso na linguagem, inconscientemente, estivesse o conceito de que “morrer” é “criar”, e de que sempre que houver “morte”, por consequência, haverá uma “criação”. Um fato incrível, por si só, que revela mais do que talvez a nossa linguagem possa explicar em um livro inteiro. Já parou para pensar em como as palavras escondem o essencial do que supostamente elas deveriam mostrar? Esta ideia, que ao mesmo tempo foi difundida em grande parte das culturas primitivas – e que se sabe, não tiveram ligação - dão forma a um conceito curioso, que é o de que algo como a “morte” e a “criação”, inseridos na linguagem, fazem parte de uma única imagem, um único juízo, cônscio e maleável na natureza, que é espontânea, e nasce fluentemente em nossa psique a partir do momento em que o que chamamos de “raciocínio” passa a existir, buscando o entendimento e o conhecimento. Há mais de quarenta mil anos, nascia a grafia, com os petróglifos e as pinturas rupestres, milênios depois, os mitos de criação, intrinsecamente conectados. Ao longo do tempo, honrou-se a morte e a vida como um único conceito repleto de facetas, que encontravam a sua máxima nos ritos de reprodução e sexualidade, fertilidade, que durante a primavera, inverno e verão, na passagem das estações, expressava-se de maneira vívida e frugal diante dos olhos destes seres transitórios e “passageiros” que a presenciavam. Ainda no neolítico, os ancestrais do homem moderno realizavam cerimônias que simbolizavam esta “verdade”, a confiança em uma vida após a morte, a “ressurreição”, e o conceito de “eternidade”, que está impregnado na unidade com a natureza. O “raciocínio”, conexo à linguagem e aos métodos de apregoar a visibilidade desta ânsia inevitável que surge diante de tais paixões – como as perguntas-, modificou-se ao longo do tempo, como os símbolos que ele mesmo criou. Vida e morte, no entanto, permaneceram os mesmos, naquela eterna transformação que é atribuída aos valores que costumam portar. Hoje, o raciocínio não só se transformou por este fluxo entre a “vida” e a “morte”, demudando de maneira mútua os símbolos que ele criou, mas também “se dividiu”, polarizando-se em único ideal que se encaixa ao método da análise científica focada no “real”, tornando a biologia, a única área de busca pela verdade da “vida”, e colocando-se de lado com o estudo científico como um todo, exceto em raras exceções, onde se é necessário o conceito do “irreal” para pensar sobre os objetos de estudo. Isto, se aplica a todas as grandes questões da ciência moderna, e não só à vida.
Em séculos de pesquisa, descobrimos leis que não só se aplicam ao conceito biológico de existência e extinção, mas também leis físicas que parecem “morrer” e se “decompor” em uma dualidade que separa o “real” do “irreal”, sobrevivendo nestas mesmas efígies que erigiram séculos atrás os seus “porquês” e “para quês”. Poderá a vida, não apenas em questões biológicas, mas a vida em sua verdade, ser influenciada por tais leis e “recompor-se” em todas as áreas da ciência para que haja uma maior compreensão sobre ela após a “cisão” que ocorreu entre os extremos que se aplicaram ao “método científico”? De certa forma, a vida já é influenciada por elas. Se não bastasse a alteração de um elemento químico na composição deste planeta, a instabilidade de reações do berílio no Sol e as raras exceções que mantém a Terra em sua órbita fariam da vida um mito que jamais existiu. De uma maneira clara, simples e direta, antes que se possa aprofundar em outra questão, o que é a vida, se não o uno de todas estas complexidades desta compactuação que chamamos de “leis” cosmológicas? Será que podemos realmente excluir a vida das relações e considerações de outras ciências? Se não, por que buscar a verdade apenas na biologia? E o que é o homem, se não a representatividade destas leis? Não estaria o homem moderno assumindo o papel de mediador entre a “verdade da vida” e as “verdades da ciência”?
Há sim certo quê de mística e filosofia por trás desta busca interminável pela resposta, destes “porquês”, dos “para quês”, e de tudo o que compõe a nossa opera - a biologia-, mas antes concernido à compreensão de “vida” e “morte”, que se dá tanto por meio das leis de Mendel e Charles Darwin, da botânica e da anatomia de Galeno, está o “eu”, e o que é “a vida em relação ao eu”, o que “o eu faz da vida” e vice versa. Seria o eu, ou melhor, aquilo que chamo de “eu”, o Ego, um ser vivo, e o Ego, quando apegado às verdades da ciência e não da vida, o verdadeiro “mediador” entre o “homem” e a “linguagem” pela qual esta verdade é expressa? A resposta é clara. E este eu, também vive, caso contrário, este momento de escrita e leitura no espaço-tempo sequer teria chegado à existência.
Mas a questão, não é tão difícil quanto aparenta. Vivemos e morremos, e “eternidade”, é somente a cereja em cima do bolo da biologia. O mundo onde agora nos encontramos é a biologia expressa em si. Métodos de “eternidade”, que há tanto foram expressos em símbolos diferentes, rituais e danças de tribos autóctones, agora assumiram o aspecto moderno da aparência das constantes, e com isto, as constantes estão se transformando em um ponto de vista cada vez mais dominante. Nada dura para sempre, e mesmo as constantes, são também símbolos, tal qual a vida, que assume o formato da alegoria pela qual a conhecemos. Valores, morais, códigos de ética; todos estes fazem parte. Por fim, a grande desculpa para que se desvie cientificamente da busca de um “sentido para a vida”, é a de que todo sentido implica valores, e de que se estes não existem, por conta de uma vaga definição ou da possibilidade de um “sentido relativo”, o homem estaria livre para “transvalorar” a moral na sociedade, gerando assim, caos e outras intrigas. Mas, esqueçam-se, pois aqui, não tratamos de questões morais ou sociais, e sim antes da ciência, que é a verdadeira prova de que ambos existem. Falamos de ciência e de existência de um sentido científico. Será possível? Se a resposta for sim, e considerarmos valores antes de sentido, esta estaria conectada ao sentido da morte, daí, o medo de buscar o sentido, pois como em um ciclo, a “transvaloração” da morte ocorreria da mesma forma que sobreviera com a vida. O que advém, é que o homem parte de pontos de vista para pontos de vista, enquanto a vida, ao pé da letra, precede a conceituação de valores. O homem parte para a busca de sentido através dos valores, enquanto na ciência, não existem valores, apesar de esta pertencer à caixa de joias do raciocínio. A questão, é se nosso raciocínio pode vincular sentido a algo além de valores, ou algo aquém. Primeiramente, a vida veio, e então, o pensamento, de modo que o pensamento forjou o raciocínio para que este forjasse a ciência, daí, a cisão entre a ferramenta que parte da necessidade com a ferramenta que gera outras necessidades criou uma linearidade sem fim. Não seria o sentido, em termos de finalidade, o próprio fim da vida? Perceba as nuances na ambiguidade de nossa linguagem. Os valores são para as questões que exigem sentido na ciência, uma necessidade do homem, que se distancia desta própria para se apegar à valorização da ciência em si, de modo que o “apego”, a “valoração científica”, gera desatenções para os “fins” da ciência, onde claramente o distanciamento do “fim”, do “sentido”, que é o “que veio antes”, o “começo”, a “origem”, distanciam-se do método científico e da solução da “finalidade”. A compreensão de qualquer processo exige um princípio e um fim, para que como um todo, se analise o seu andamento, no entanto, o homem moderno se distancia dos princípios incidindo novos obstáculos no meio, que tenderão, por sua vez, a distanciar a ciência dos verdadeiros fins. Ora, não são estas palavras, “princípios” e “fins”, jogos de linguagem para “valores” e “sentidos”? Perceba como se confunde o processo da análise científica. O que está no meio entre o princípio e o fim – a biologia - se torna o processo de valorização dos processos – a biologia como regente da vida. Deste modo, a morte, quando desconsiderada no estudo das leis que conduzem a vida, é considera como um fenômeno, um “medo”, um “objeto distante” e “comum”, trivial, arbitrário, e até mesmo uma doença – como diria Aubrey de Gray. Percebem o erro? Se antes nos distanciávamos da morte porque ela era um medo, adorando-a, como a verdadeira vida, hoje, o homem tende a adorar a vida, e desconsiderá-la, como um princípio desta mesma.
A vida, antes de tudo, se trata de um sentido autoevidente. Os processos da vida nos confundem como todos os outros processos físicos e científicos. Filosofia e “mística” se tratam de evidências dos sentidos que foram banidos da ciência por meio desta mesma. A ciência se autodenominou o fim, “a coisa em si”, como diria Kant, e a biologia, o fim da vida, de modo que a verdadeira ciência e o verdadeiro princípio científico, que é a unidade entre todas as razões que constituem o raciocínio, se distanciaram por meio da valorização dos raciocínios individuais dentro de suas áreas particulares. As ciências competem como se não concorressem para o mesmo objetivo. A vida, como fenômeno, não é o processo em si, mas o todo pelo qual a natureza é ignorada em suas diversas manifestações. Não se trata de ontogenia, muito menos de corpos diferentes de “eus” estáticos e complexos, incompreensíveis e deterministas, ou o contrário, libertários e “incompreensíveis”, pois isso em si, já é uma multiplicidade, uma “ignorância do princípio”. A vida é uma estrutura única e sem arquétipos que pode ser esclarecida por meio da união destas diferentes manifestações do saber. De uma forma ousada, e um tanto desconstrutora, pode-se dizer que vida em termos científicos, é descrita como tudo aquilo que ignoramos sob o que já sabemos sobre ela. A linguagem engana a vida com as palavras, e as palavras enganam a linguagem com a vida. Chamamos isso de pensamento, reflexão. Em poucas destas, afirmo que a vida é todo o saber reunido. A substância do conhecimento. A verdadeira e única matéria das múltiplas informações, e não o contrário. A vida, é uma revelação do cosmo e da ordem. O caos, o sentido, em sua forma mais singela. Somos a Ordem sobre o Caos.

Fonte:http://lounge.obviousmag.org/matchbox/2013/05/o-que-nao-sabemos-sob-os-cinco-sentidos.html

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