A BUSCA DA FELICIDADE SEGUNDO O BUDISMO TIBETANO

 
''Buscar a felicidade fora de nós mesmos é como esperar pela luz do sol em uma caverna que dá para o norte.''
DITADO TIBETANO

Trecho do Livro ''Felicidade - A pratica do Bem Estar''

Se é verdade que todos os homens, de uma forma ou de out
ra tentam ser felizes, há uma grande diferença entre aspiração e realização. Esse é o drama dos seres humanos. Tememos a miséria, mas corremos diretamente em direção a ela. Queremos a felicidade, mas nos afastamos dela. Os próprios meios que usamos para diminuir o sofrimento acabam por alimentá-lo. Como é possível que ocorra tal erro de julgamento? Ele ocorre porque somo confusos sobre a maneira de proceder quanto a tudo isso. Buscamos a felicidade fora de nós mesmo quando ela é basicamente um estado de ser. Se fosse uma condição exterior, não estaria nunca ao nosso alcance. Os nossos desejos são ilimitados e o controle que temos sobre o mundo é limitado, temporário e, geralmente, ilusório.

Construímos laços de amizade, constituímos família, vivemos em sociedade, trabalhamos para melhorar as condições exteriores da nossa existência, mas seria isso suficiente par definir a felicidade? Não. Podemos ter “tudo para ser felizes” e ainda assim sermos muito infelizes. Por outro lado, podemos permanecer serenos na adversidade. É ingênuo imaginar que só as condições externas podem assegurar a felicidade. Esse caminho certamente nos levará a um despertar doloroso. Como disse o Dalai Lama: “Se um homem que acaba de mudar para um luxuoso apartamento no centésimo andar de um prédio novinho em folha sente-se muito infeliz, a única coisa que ele vai procurar é uma janela de onde possa se atirar” Quantas vezes já ouvimos que o dinheiro não traz felicidade, que o poder corrompe os honestos e que a fama arruína a vida particular? O fracasso, a ruína, a separação, a enfermidade e a morte estão sempre prontas para reduzir a cinzas o nosso cantinho de paraíso.
De bom grado, passamos uma dúzia de anos na escola fundamental e vários outros na universidade ou investindo numa carreira profissional, “malhamos” na academia para permanecer saudáveis, dedicamos um bocado de tempo para obter mais conforto, saúde ou status social. Consagramos nossos esforços a tudo isso e no entanto fazemos muito pouco para melhorar as condições interiores que determinam a própria qualidade da vida que temos. Que hesitação estranha, medo ou inércia nos impedem de olhar para dentro de nós mesmos, de tentar compreender a verdadeira essência da alegria e da tristeza, do desejo e do ódio? O medo do desconhecido prevalece e a coragem para explorar esse mundo interior cessa quando chegamos à fronteira de nosso espírito. Um astrônomo japonês certa vez me confidenciou: “É preciso muita ousadia para olhar para dentro de si mesmo”. Essa observação – feita por um cientista no auge das suas capacidades, um homem com a mente aberta e equilibrada – deixou-me intrigado. Por que ele vacilaria diante daquilo que promete ser um projeto de pesquisa absolutamente fascinante? Como disse Marco Aurélio: “Olhe para dentro de si: aí está a fonte de todo o bem”
Como fazer isso é algo que devemos aprender. Quando somos atribulados pelos nossos problemas interiores, não sabemos como acalmá-los e instintivamente nos voltamos para fora. Passamos a vida emendando soluções improvisadas, na tentativa de encontrar as condições que nos farão felizes. Por força do hábito, essa maneira de viver se torna a norma, e a máxima “A vida é assim” torna-se nosso lema. No entanto, mesmo que a busca pelo bem-estar temporário seja ocasionalmente bem-sucedida, jamais poderemos controlar a quantidade, a qualidade ou a duração das circunstâncias exteriores. Isso ocorrerá em todos os aspectos da visa: amor, família, saúde, riqueza, poder, conforto, prazer.

Meu amigo, o filósofo e praticante budista americano Alan Wallace, escreveu: “Se você aposta que conseguirá a genuína felicidade e realização por meio do encontro da companheira perfeita, da posse de um ótimo carro e de uma casa enorme, do melhor seguro, de uma excelente reputação e do melhor emprego – se essas são as prioridades, será necessário também desejar, com todas as suas forças, ter sorte na loteria da vida.” 3. Ao gastar o seu tempo tentando encher um barril furado, você negligencia os métodos e acima de tudo as maneiras de ser que lhe permitirão encontrar a felicidade de si mesmo.

A culpa nesse caso é da nossa maneira confusa de abordar a dinâmica da felicidade e do sofrimento. Ninguém pode negar que é muito desejável viver uma vida longa e saudável, ser livre, morar em um país pacífico onde a justiça é respeitada, amar e ser amado, ter acesso à educação e recursos para viver com abundância, poder viajar pelo mundo, contribuir o máximo possível para o bem-estar dos outros e proteger o ambiente. Estudos sociológicos realizados com populações inteiras mostram claramente que os seres humanos gostam muito mais de viver nessas condições. Quem desejaria algo mais? No entanto, ao colocarmos todas as nossas esperanças no mundo externo, é inevitável ficarmos desapontados.
Por exemplo: por acreditarmos que o dinheiro nos fará mais felizes, trabalhamos para obtê-lo e, quando conseguimos, ficamos obcecados em fazê-lo aumentar, sofrendo quando enfrentamos perdas. Um amigo de Hong Kong disse-me certa vez que tinha prometido a si mesmo que, ao conseguir um milhão de dólares, deixaria o trabalho para aproveitar a vida, acreditando que, então, seria feliz. Dez anos depois, ele não tinha somente um milhão de dólares, mas três. E quanto à felicidade? A sua resposta foi breve: “Desperdicei dez anos da minha vida”.

Buscamos riqueza, prazeres, condição social e poder para sermos felizes. Mas, ao lutarmos por isso, esquecemos a meta principal e perdemos tempo tentando alcançar os meios como se fossem fins. Ao fazer isso, erramos o alvo e ficamos profundamente insatisfeitos. Essa substituição dos meios pelos fins é uma das principais armadilhas que encontramos na busca de uma vida com significado. Como diz o economista Richard Layard: “Algumas pessoas dizem que você não deve pensar na própria felicidade porque ela é um subproduto de outra coisa. Isso é uma péssima filosofia. Uma fórmula para manter-se ocupado a todo custo”

Se, por outro lado, a felicidade é um estado que depende de condições externas, cabe a um de nós aprender a reconhecer essas condições com atenção, e depois, alcançá-las. A felicidade não nos é dada, nem a miséria, imposta. Estamos, a cada momento, em uma encruzilhada, e devemos escolher a direção que devemos tomar.

PODEMOS CULTIVAR A FELICIDADE?

Maravilhamo-nos com a ideia de um atleta ser capaz de saltar mais de dois metros e quarenta de altura e se não víssemos isso ser transmitido pela televisão não acreditaríamos que fosse possível, já que sabemos que a maior parte de nós não consegue saltar nem um metro e vinte... Quando se trata de performance física, logo aparecem os limites, mas a mente é muito mais flexível. Por que, por exemplo, deve haver um limite para o nosso amor e a nossa compaixão? A disposição para cultivar essas qualidades é diferente para cada ser humano, mas todos temos o potencial de progredir ao longo da vida se persistimos em nossos esforços.
É estranho, mas muitos pensadores modernos são, nas palavras de um autor francês, radicalmente contra “a construção do eu como uma tarefa sem fim”. 6 Se adotássemos como princípio renunciar a todos os projetos de longo prazo, as próprias noções de aprendizagem, educação, cultura ou auto aperfeiçoamento não teriam significado algum. Mesmo sem falar no caminho espiritual, por que, então, continuar a ler livros, a fazer pesquisas científicas, a aprender sobre o mundo? A aquisição de conhecimentos também é uma tarefa que não tem fim. Por que aceita-la mas negligenciar a construção de si mesmo, a própria transformação que determina a qualidade da nossa experiência vivida? Será melhor nos deixarmos levar pela corrente? Mas assim podemos acabar colidindo com as pedras.

DEVEMOS NOS CONTENTAR EM SER NÓS MESMOS?

Há quem pense que para se realmente feliz é só aprender a amar a si mesmo da maneira como se é. Isso depende do que entendemos por “sermos nós mesmos”. Trata-se de ficar numa perpétua gangorra entre satisfação e desprazer, calma e excitação, entusiasmo e apatia? Ceder a esse modo de pensar enquanto deixamos os impulsos e as tendências correrem soltos, seria um modo muito fácil, uma solução intermediária, um tipo de rendição até.

Muitas receitas para a felicidade insistem que, por natureza, somos uma mistura de luz e sombra, portanto devemos aprender a aceitar os nossos erros e as nossas qualidades positivas. Elas afirmam que podemos resolver a maior parte dos nossos conflitos interiores e viver cada dia com confiança e bem-estar se desistirmos de lutar contra as nossas próprias limitações. O nosso melhor caminho seria liberar a própria natureza, já que tentar contê-la só agravaria os problemas. É óbvio que, se tivermos que escolher, será melhor viver com espontaneidade do que passar os dias rilhando os dentes, mortos de tédio ou odiando a nós mesmos. Mas todas essas receitas não seriam apenas uma maneira de embalar os nossos hábitos num pacote bonito?

Pode até ser que “expressar-se naturalmente”, dar liberdade aos próprios impulsos “naturais”, traga alívio momentâneo para as tensões interiores, mas continuaremos presos à armadilha do círculo sem fim dos nossos hábitos. Uma atitude como essa não resolve nenhum problema sério, já que ao sermos ordinariamente nós mesmos permanecemos ordinários. Como escreveu o filósofo francês Alain: “Não é preciso ser feiticeiro para rogar uma praga sobre si mesmo, basta dizer: “Sou assim e não posso fazer nada”

Somos muito parecidos com aqueles pássaros que passaram tanto tempo na gaiola que mesmo quando têm a possibilidade de voar para a liberdade voltam a ela. Estamos tão acostumados com nossos erros que mal podemos imaginar como seria a vida sem eles. A perspectiva de mudança nos dá vertigens.

E isso não é falta de energia. Como dissemos, fazemos esforços consideráveis em um sem-número de direções, empreendendo incontáveis projetos. Como diz um provérbio tibetano: “Eles têm o céu estrelado como chapéu e gelo como botas”, porque ficam acordados até tarde da noite e acordam antes do amanhecer. Mas se nos ocorre pensar: “Eu deveria tentar desenvolver o altruísmo, a paciência, a humildade”, hesitamos, e dizemos a nós mesmos que essas qualidades virão naturalmente a longo prazo, ou que não são grande coisa, e que até agora passamos perfeitamente bem sem elas. Quem, sem esforços metódicos e determinados, pode interpretar Mozart? Certamente isso não é possível se ficamos martelando o teclado com dois dedos. A felicidade é um modo de ser, é uma habilidade, mas para desenvolvê-la é necessário aprendizado. Como diz o provérbio persa: “A paciência transforma a folha de amora em seda”.

EXERCÍCIO Desenvolvimento da atenção

Sente-se na sua postura de meditação e concentre toda a sua atenção num objeto de sua escolha. Pode ser um objeto da sua sala. Se preferir, concentre-se na sua respiração ou na sua própria mente. Ao fazer isso, a sua mente começará a divagar. Cada vez que isso ocorrer, traga-a com delicadeza de volta para o objeto que você escolheu, como uma borboleta que retorna para a flor da qual retira seu alimento. Ao fazer isso muitas vezes, com perseverança, a sua concentração se tornará mais clara e estável. Caso sinta sonolência, assuma uma postura mais ereta e levante um pouco o olhar para despertar a sua atenção. Se a mente ficar agitada, relaxe a sua postura e dirija o olhar ligeiramente para baixo, permitindo que qualquer tensão interior se dissolva.

Cultivar a atenção e a presença mental dessa maneira nos dá uma ferramenta preciosa para todos os outros tipos de meditação.

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