CORRUPÇÃO E GASTOS : “BRASIL, É HORA DE OLHAR PARA O ESPELHO”


[Situação típica da maioria dos pais dos manifestantes (das classes média e alta), segundo depreende-se da informação do SINPROFAZ (*) ]
 
Corrupção e Gastos: “BRASIL, É HORA DE OLHAR PARA O ESPELHO”

Manifestantes em Brasília ocupam o Congresso Nacional (Foto: VC/Repórter)



Por Bob Fernandes, no “Terra Magazine”


 
“Dos 0,20 centavos dos ônibus e metrôs para a corrupção e desperdício de dinheiro público foi só um passo. O tema, embalado pelas "obras da Copa", está na agenda e nas ruas. Um ótimo momento para milhões de brasileiros olharem também, com muita atenção, para o espelho.

Porque, consequência inevitável, não existe corrupção sem corruptores. E corruptos e corruptores têm que, também inevitável, ter nascido e se criado em algum canto do planeta Terra.

Ainda, também uma evidência lógica, corruptos e corruptores moram e vivem, corrompem e são corrompidos em alguma cidade, estado, país. Que, no caso, certamente alguns se surpreenderão, é… no Brasil.

Além da Presidência e vice-presidência da República, no momento ocupadas por Dilma Rousseff e Michel Temer, o Brasil tem 27 governadores e 27 vice-governadores, 81 senadores, 513 deputados federais, 5.561 prefeitos, 5.561 vice-prefeitos, 1.059 deputados estaduais e 60.320 vereadores.

Assim, numa conta ligeira e certamente sujeita a imprecisões, o Brasil tem 73.149 "políticos", esses seres objeto de crescente repulsa. Cabem, em meio a tanta rejeição, algumas perguntas:

- De que planeta vieram os "políticos"? Chegaram ao Brasil numa nave especial, vindo de outra galáxia? Ou, talvez, algo mais próximo, como Júpiter?

Aplique-se, por hipótese, uma taxa mínima na média de renovação de mandatos, algo como 25% no tempo em que se dão eleições em todos os níveis e se chega a mais uns 18 mil novos "políticos" a cada quatro anos.

Por essa conta, e a renovacão estimada muito por baixo desde a redemocratizacão, em 1985, tivemos desde então algo como 110 mil cidadãos e cidadãs com novos mandatos parlamentares. Os tais "políticos".

Pergunta-se: De que planeta eles vieram? Onde, em que cultura, adquiriram esse odiento hábito, o da gatunagem que, ao que parece, é tão estranho aos brasileiros?

Outra pergunta: um "político" nasce com determinação genética para tal? É uma cidadã, um cidadão programado para maus hábitos e por isso se torna "político"?

Notemos alguns números em torno do mundo desses seres. Estatísticas atribuídas ao Brasil.

O Brasil tem Produto Interno Bruto estimado em R$ 4,14 trilhões. Leio que se estima a corrupção em até 2,4% do PIB. Portanto, uns R$ 100 bilhões. Estimativas mais modestas apontam para R$ 70 bilhões/ano.

(*) [Obs deste blog ‘democracia&política’: Considerando informação recente do SINPROFAZ (Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional), o roubo dos brasileiros (inclusive dos que não são políticos), por meio de sonegação, elisão e evasão fiscal com a ilegal apropriação em benefício próprio do dinheiro dos tributos que deveria ser público, já ascende ao elevadíssimo montante de R$ 415 bilhões por ano! É dezenas de vezes maior que toda a corrupção nos governos municipais, estaduais e federal. Segundo o SINPROFAZ, somente os paulistas roubam anualmente cerca de R$ 132 bilhões de dinheiro público (tributos sonegados) por ano.

E esse roubo não considera a gigantesca sonegação, elisão e evasão fiscal permitidas "legalmente" (!!!) por conta de empresas que têm ramo "virtual" em paraísos fiscais (Bahamas, Ilhas Cayman, Ilhas Bermudas, Ilhas Turks e Caicos, Liechtenstein, Suíça, Ilhas do Canal, Mônaco, Luxemburgo, Ilha da Madeira etc).

Quem são os ladrões, os sonegadores? De modo geral, grande parte da autoproclamada “elite”, grandes e pequenas empresas (inclusive as de mídia), empresários, comerciantes, profissionais liberais, alguns ministros de tribunais, políticos, altos funcionários públicos e privados, cidadãos comuns. Todos que burlam, não dão nota fiscal ou recibo dedutível no IR, que não pagam seus impostos devidos. Aqueles que anualmente falseiam e omitem informações na declaração de imposto de renda; e muitos outros travestidos de "honestos"... Ver em http://www.democraciapolitica.blogspot.com.br/2013/06/os-jovens-contra-corrupcao-e-pec-37.html.

A Justiça, com juízes e funcionários que se concederam elevados salários, não corresponde em proporcional eficiência para julgar esses e outros crimes. Ao contrário. Há excessiva morosidade que, para leigos, aparenta até mesmo dolosa. Houve raras exceções de impressionante rapidez. Por exemplo, no apressadíssimo midiático julgamento pelo MP/PGR e STF do apelidado "mensalão do PT", pressionados pela direita e sua mídia para que fosse julgado antes das eleições de 2010 e com os réus conduzidos presos por inusitadas pesadas penas, mesmo que, para isso, fossem temporária e especificamente criados novos preceitos jurídicos].

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relata que 2.918 ações e procedimentos relativos à corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa prescreveram por falta de julgamento em 2012.

Ou seja, em quase 3 mil casos os responsáveis escaparam por falta de julgamento. Por outro lado, em 1.637 ações na Justiça 205 terminaram em condenação.

Ainda a Justiça e corrupção: tornaram-se ações 1.763 denúncias contra acusados de corrupção e lavagem de dinheiro e 3.742 procedimentos judiciais relacionados à prática de improbidade administrativa.

No final do ano, tramitavam 25.799 ações sobre corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade. Os réus nessas ações são centenas de milhares de brasileiros. Se não prescrever, deverão ser julgados.

Parênteses. Nos idos do governo Collor, estimava-se que as operações comandadas por PC Farias subtraíram mais ou menos R$ 1 bilhão. No rastro daquilo, a Polícia Federal indiciou mais de 400 empresas e 110 grandes empresários. Só um grande personagem foi condenado. O finado PC Farias. Tudo mais prescreveu.

De volta à Justiça. O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), rastreou e mostrou: entre 2000 e 2010 as "movimentações financeiras atípicas" [eufemismo protetor] nos tribunais somaram R$ 855 milhões.

Ou seja, excetuado o que é feito com cuidado ou a miuçalha, em 10 anos beirou o bilhão o dinheiro suspeito "a circular" [sic] pelos tribunais e seus altos e baixos funcionários, segundo o insuspeito COAF.

Pergunta-se: em que planeta moram e trabalham, de onde vieram funcionários da Justiça suspeitos de embolsar pelo menos R$ 855 milhões de forma heterodoxa?

O ex-Secretário da Receita Federal nos governos FHC, o atilado Everardo Maciel, relata: habitantes no Brasil, de todas as classes socais, devem – dívida já inscrita na União- mais de R$ 1 trilhão em impostos!

Não pagos por N motivos, ilegais e mesmo legais. E, claro, de muitos se ouvirá o fraseado “não pago porque vão roubar mesmo”.

Em tempo: em precatórios e assemelhados, o Estado e os estados brasileiros devem mais de R$ 100 bilhões aos cidadãos [Em muitos casos, o Estado já disponibilizou para a Justiça os recursos dos precatórios, mas, por motivos às vezes incompreensíveis, os juízes postergam indefinidamente os pagamentos aos cidadãos, que envelhecem e morrem. Os recursos acabam sendo "esquecidos" e destinados "a outros fins"...].

Pergunta: os que não pagam o R$ 1 trilhão em impostos são de onde? E que cultura admite Estado e Estados não pagarem aos seus cidadãos uma dívida de mais de R$ 100 bilhões?

Como se vê e se verá na fúria dos fakes de redes socais e de alguns grupelhos fascistóides que se têm infiltrado nas legítimas e democráticas manifestações nas ruas do Brasil, há os que sentem saudade do passado.

São os filhos, netos e já bisnetos da ditadura. Esse pessoal que ama Jair Bolsonaro, que baba ódio nas redes e prega um certo "Partido Militar".

Sem entrar em maiores considerações quanto aos 21 anos de ditadura, até porque a história já o fez, recordemos alguma coisa daquele passado.

No início dos anos 70, tendo o também general Golbery do Couto e Silva como grande mentor, o general e futuro presidente-ditador, Ernesto Geisel, revelou porque se sentia obrigado a fazer a "Abertura Política".

Às páginas 150 e 151 do seu livro “História indiscreta da ditadura e da abertura, 1964-1985-“ o ex-ministro Ronaldo Costa Couto reproduz frase de Geisel ao Almirante Faria Lima:

- (…) Porque a corrupção nas Forças Armadas está tão grande, que a única solução para o Brasil é a abertura

Frases nesse mesmo sentido são atribuídas ao ex-presidente e general Castelo Branco e ao ex-ministro da Justiça e censor-mór da ditadura Armando Falcão.

De que planeta eram eventuais corruptos e corruptores daqueles tristes tempos de tortura, silêncio obrigatório e assassinatos políticos?

Ardorosos defensores do passado citam como novidadeiro, e fruto apenas da “política” de hoje, a corrupção, e o desperdício de dinheiro público.

Encerremos com uns poucos entre muitos exemplos:

Transamazônica. Para, entre outros motivos, povoar a região e evitar a ocupação por estrangeiros, o governo dos anos 70 imaginou e fez construir uma estrada de 4.162 km. Ao custo de US$ 12 bilhões. A amazônica estrada de R$ 35 bilhões – a preços de hoje-, segue com 2.200 Km ainda sem pavimentação.

Escândalo da Mandioca. Em Pernambuco, entre 1979 e 1981. Da agência do Banco do Brasil de Floresta desviaram Cr$ 1,5 bilhão (R$ 20 milhões) do Programa de Incentivo Agrícola, o PROAGRO. Quem apurou e denunciou foi o procurador Pedro Jorge de Melo e Silva. Que terminou assassinado no dia 3 de Março de 1982.

Uma lista dos casos de então seria longa, exaustiva. Em 21/01/1983, o Banco Central decretou intervenção nas sociedades de crédito imobiliário do Grupo Delfin. O grupo tinha a maior empresa privada de poupança do país, com mais de três milhões de depositantes, em 83 agências.

Jornais daqueles tempos, os alternativos que lutavam contra a censura, relataram gatunagem em obras como a hidrelétrica de Itaipu. E em certos contratos na Petrobras.

De tudo aquilo e muito mais, e sem poder ir às ruas como hoje, quanto se soube no país sob ditadura e censura?

E de que planeta vieram, ao longo desse meio século, da ditadura à redemocratização, os cidadãos e cidadãs que fizeram e permitiram que se fizesse tanto?”
FONTE: escrito por Bob Fernandes. O autor foi redator-chefe da revista “CartaCapital”. Trabalhou em “IstoÉ” (BSB e EUA) e “Veja”. Repórter da “Folha de S.Paulo” e “JB”. Fez "São Paulo, Brasil" no “GNT/TV Cultura”. Comentarista da “TVGazeta” e “Rádio Metrópole” (BA). Artigo publicado em seu portal “Terra Magazine” (http://terramagazine.terra.com.br/bobfernandes/blog/2013/06/24/corrupcao-e-gastos-brasil-e-hora-de-olhar-para-o-espelho/). [Título, imagem e trechos entre colchetes em azul adicionados por este blog 'democracia&política'].

Comentários