ALFRED HITCHCOCK : UM MESTRE DA MANIPULAÇÃO DE IMAGENS

 

Alfred Hitchcock: um mestre da manipulação de imagens


Se ainda andasse por esta Terra e tivesse resistido à crise de insuficiência renal que o levou em 1980, Sir Alfred Joseph Hitchcock teria 113 anos. Na altura da sua morte, a reputação do realizador nascido em Londres já estava mais que assegurada.

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© Alfred Hitchcock (Wikicommons).

Tinha realizado mais de 50 filmes, tivera várias nomeações para Óscar e algumas vitórias, conquistara o título de Sir, além de uma imagem cada vez mais lendária no mundo da crítica do cinema (graças, principalmente, a um grupo de jovens fãs franceses e aspirantes a cineastas, incluindo François Truffaut e Claude Chabrol, que escreviam no final dos anos 50 e ínicio dos anos 60 para a revista francesa mundialmente famosa “Cahiers du Cinema”). Na verdade, os seus filmes, desde clássicos como Sabotage (1929) até posteriores thrillers mais dark, como Marnie (1964), eram entendidos como verdadeiros manuais escolares sobre a arte ilustrada de criar suspense. Ele era, assumidamente, o mestre do suspense. Foi inclusive considerado, ao lado dos mestres do filme mudo como D.W. Griffith, um verdadeiro pioneiro por ter mudado a forma e o significado daquilo que era transmitido através do ecrã.

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© Alfred Hitchcock, "O Homem Errado", trailer (Wikicommons).


Hitchcock era conhecido pelo seu desprezo pelos diálogos. Segundo o próprio, o diálogo era uma ferramenta do palco, enquanto um filme era, antes de tudo, visual. O resultado deste estilo marcadamente visual é visível na maioria dos dramas hitchcockianos, sendo comum o recurso ao silêncio para adensar a apreensão e pouco frequentes os diálogos, ainda que com a presença constante das sinistras produções de Bernard Herrmann, o compositor preferido de Hitchcock. Este estridente climax que muitas vezes Sir Alfred queria transmitir está muitíssimo bem retratado na famosa cena de assassinato filmada no Royal Albert Hall, em O Homem que Sabia Demais (1956). São 12 minutos sem qualquer diálogo ao som das notas estripadas de Storm Clouds, do compositor australiano Arthur Benjamin. Esta técnica dos “impulsos musicais” foi posteriormente usada por realizadores como Martin Scorsese e Quentin Tarantino, que frequentemente recorrem à música em vez do diálogo produzindo um conjunto audiovisual muitas vezes devastador (basta pensar em Mean Streets de Scorsese e em Robert De Niro a entrar pelo bar ao som de Jumping Jack Flash dos Stones, ou em Tarantino a usar Stuck in the Middle With You em Reservoir Dogs).

Hitchcock explorava constantemente novas e mais íntimas formas para aumentar o suspense e a tensão. Em Sabotage (1942), por exemplo, o herói operário Barry Kane (Robert Cummings) tenta salvar o anarquista Frank Frye (Norman Lloyd), prestes a cair, segurando o vilão pela manga que, lentamente, se vai rasgando. O realizador, em vez de filmar a cena a uma distância razoável, faz constantes zooms focando o casaco de Frank e, sobretudo, a fragilidade do rasgão na manga do casaco do vilão, que vai descosendo ponto por ponto. Uma manipulação meticulosamente orquestrada do perigo dirigida pelo mestre da gestão da ansiedade do espectador. É uma cena que tem sido repetida várias vezes, em filmes tão variados como Die Hard (a manga é substituído por um relógio) e Cliffhanger (uma luva).
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© Alfred Hitchcock, "Os Pássaros", trailer (Wikicommons).

Também em Pássaros (1963), Sir Alfred recorre a um simples movimento de câmara, enquanto a heroína Melanie Daniels (Tippi Hedren) se senta num banco no pátio da escola de Bodega Bay para fumar tranquilamente um cigarro. Aqui, enquanto vão surgindo pássaros num baloiço atrás de Melanie, e esta inocentemente segue com o olhar o voo de um corvo no céu, a câmara afasta-se também para seguir o corvo. Quando o pássaro pousa no baloiço descobrimos, graças ao regresso da câmara à posição anterior, que a estrutura do baloiço está literalmente carregada com os pássaros assassinos. E, de novo, a música: um coro de crianças a anunciar a tragédia (incrível o quão sinistro pode ser um coro de vozinhas suaves e delicadas a cantarolar tão harmonicamente). Esta técnica tornou-se um marco para os filmes de terror e é normalmente usada para as heroínas ou para vítimas em frente aos espelhos.

Em filmes como A Corda, Hitchchock tentou manusear a linguagem formal do filme até ao limite, ao filmar toda uma história de mistério/homicídio numa sequência de 10 únicos takes. Já em Rear Window (1954) tentou levar este conceito ainda mais longe, fazendo um thriller num apartamento - aqui, não por qualquer razão experimental, mas antes por imposição da imobilidade do protagonista, o fotógrafo de cadeira de rodas L.B. Jeffries desempenhado por James Stewart. As emoções induzidas neste filme são quase nauseabundas no momento em que Jeffries se torce e contorce, desesperado e impotente, ao ver a sua namorada Lisa Fremont (Grace Kelly) lutar contra o assassino Thorwald (Raymond Bur) no apartamento oposto ao de Stewart. O “observador indefeso” é um marco nos thrillers modernos (basta pensar em Blow-Out, de Antonioni, ou Dressed to Kill, de Brian DePalma, ou em Disturbia, de D.J. Caruso e com Shia LaBeouf, no qual um adolescente de castigo vê um assassino do outro lado da ru, frente ao seu quarto).
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© Alfred Hitchcock, "Psycho" trailer (Wikicommons).


E seria um crime esquecer, por um lado, as reviravoltas de última hora nas tramas de filmes como Vertigo, Stage Fight e Psycho, finais "saborosos" e repentinos que inspiraram a carreira de realizadores como M. Night Shyamala (O Sexto Sentido) e, por outro, as irónicas “participações especiais” de Hitchcock, com aparições breves nos seus filmes, sublinhando o seu próprio génio e simultaneamente espalhando a sua arrogância. Alguns dos filmes feitos por Hitchcock começam por contar enganosamente historinhas triviais sobre ninharias, explorando lugares comuns mas que de repente se transformam em revelações assombrosas.

Além de todas as suas habilidades e criações indiscutíveis, o legado de Hitchcock é uma faca de dois gumes. A crueldade, a maldade e o humor negro marcam toda a sua obra. Quem sabe foram usadas como coups de cinema para estimular ainda mais o suspense, mas podem também ser lidas, em retrospectiva, como o início da estética do niilismo moderno. A morte de Judy (Kim Novak) em Vertigo é particularmente insensível e macabra – a queda da torre é quase humor negro… Tal como a morte de Marion Crane (Janet Leight) em Psycho.


Fonte:http://obviousmag.org/archives/2012/10/

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