PURO ÊXTASE , POR QUE NOS APAIXONAMOS



Paixões sentidas na pele, na carne, a 100 graus centígrados. Paixões que mudam o rumo de nossas vidas, e que há uma entrega total, um abandono de si mesmo nas mãos do outro. Paixões em que se perde a consciência de perigo e a noção de limites. Essas paixões, na fronteira entre a sanidade e a loucura, duram em média dois anos. Talvez nada exista no vasto repertório de experiências humanas que se compare a uma paixão. Quando nos apaixonamos, nos sentimos como se estivéssemos a dois passos do paraíso. Temos uma ideia fixa que nos persegue dia e noite: como conseguir o ingresso nesse estado inebriante de ser tudo para o outro e de o outro ser tudo para nós e depois regressar.
Quando amamos, tudo ao nosso redor muda de valor. No estado de paixão, sentimos a compulsão de negar tudo o que somos, ou já fomos, em troca da experiência extasiante de estar a sós com o outro, de mergulhar em seu ser. Sentimos uma fome sensual, de intimidade e de reciprocidade insaciável. Se dependesse da nossa vontade, a paixão duraria a vida inteira e mais três meses. Vivemos acalentando esse tipo de desejo. Mas os estudos mostram que paixões vividas, não apenas sonhadas, duram de dezoito a trinta meses. Como a vida pode fazer uma brincadeira dessas conosco? Nos leva até o paraíso em prazo tão curto – para os amantes, sempre é curto demais – e em seguida nos joga de volta à realidade? Ninguém pode viver permanentemente em estado de paixão. O corpo e a mente humanos não suportariam por tempo indefinido esse clima de constante expectativa, de enorme antecipação.
Por que as pessoas se apaixonam perdidamente? No nosso mundo externo sempre existem falhas, buracos, assim como no nosso mundo interno sempre existem carências, vazios. Quando uma pessoa sente aquele vazio interior, tenta preenchê-lo. Uma das maneiras de conseguir isso é colocando alguém dentro de si mesmo. Nessa ânsia e se preencher, às vezes, a pessoa absorve, engole o outro, ou se deixa absorver, engolir totalmente. Por isso, a paixão vai crescendo e rapidamente se transforma em uma monomania, na coisa central da sua existência, na razão de ser da sua própria vida.
A pessoa apaixonada vê as coisas deformadas. Fica por demais ansiosa para poder decifrar todos os sinais que o outro lhe envia. Fica por demais apegada para poder realmente enxergar outro. Fica por demais obcecada para poder realmente conhecer o outro. Chega a dizer que o ser amado é tudo, para indicar que os outros não são nada. Imbutida nessa entrega total há também uma exigência de que o outro seja tudo para ela.
Em vez de se preencher com várias relações de troca, a pessoa apaixonada espera que o outro seja sua fonte exclusiva de gratificação. A paixão é, portanto, uma espécie de prisão paradisíaca. Só que com o tempo esse paraíso pode se tornar insuportável, forte demais, violento demais e isso levar à desagregação.
Na verdade, a maioria das pessoas sabe que são poucas as paixões que se vive na vida inteira. Uma, duas, três. Em geral, dá para contar nos dedos de uma das mãos. Não estou falando de mini-paixões, aquelas que normalmente duram um dia, uma semana, um mês. Estou me referindo a paixões avassaladoras. Todos sabemos quando estamos delirando, mas sabemos também que não podemos viver em estado permanente de delírio. Então, o que fazer? Cronometrar os dias, as horas, os minutos? Fazer contagem regressiva?
Não se deve medir o tempo em que se ama. Só o tempo cronológico pode ser cravado, cronometrado. O tempo subjetivo, não. Todos nós temos um relógio interno que nos diz quanto amamos e em que intensidade. Momentos de prazer, música, ruídos, gestos de ternura, pedaços de conversas, essas coisas não se medem, não têm preço. Quanto vale um sorriso, um abraço? Quanto tempo duram ou ficam gravados em nossa mente um olhar, uma carícia? Quanto vale uma noite em claro?
Quando a pessoa desperta desse estado onírico da paixão, o que acontece é que a paixão termina, e isso, em geral, provoca a morte da relação ou, então, uma metamorfose. A paixão dá lugar ao amor e nos transformamos em companheiros. Ser companheiro, segundo os terapeutas norte-americanos Bach e Wyden, significa "compatilhar os momentos culminantes de toda uma vida, bem como os altos e baixos da existência cotidiana ser incluído e trazido para o mundo privado dos sentimentos, desejos e temores do outro importar-se e inquirir sobre o crescimento do outro, seus triunfos e frustrações, o quinhão que lhe coube na vida identificar e sentir empatia com o seu modo de ser e de crescer receber suas atenções e ser cuidado por ele".

Por Maria Helena Matarazzo*

*Maria Helena Matarazzo é sexóloga e autora de Amar é Preciso, Nós Dois e Namorantes.

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