O PÁSSARO DE FOGO - SOBRE OS MITOS AMERÍNDIOS

O pássaro de fogo

Tânia Stolze Lima 1
Professora do Departamento de Antropologia – UFF


RESUMO: O objetivo deste artigo é, basicamente, desenvolver alguns aspectos da vasta e profunda contribuição de Claude Lévi-Strauss para o estudo dos mitos ameríndios. Para isso, procede-se através da articulação de alguns desses mitos com a também lévi-straussiana questão da oposição entre natureza e cultura. Finalmente, o artigo busca oferecer alguns elementos etnográficos para a apreensão de uma noção indígena de mito, apoiando-se principalmente na experiência de campo da autora com os Juruna do Alto-Xingu.
PALAVRAS-CHAVE: Lévi-Strauss, mito, natureza e cultura, Juruna.

(...) Lévi-Strauss (...) O que realmente ele afirma é que o
coração tem seus algoritmos precisos.
Gregory Bateson.

Para passar de uma palavra física ao seu significado,
antes, destrói-se-a em estilhaços, assim como o fogo de
artifício é um objeto opaco até ser, no seu destino, um fulgor no
ar e a própria morte. Na passagem de simples corpo a sentido
de amor, o zangão tem o mesmo atingimento supremo: ele morre.
Clarice Lispector.


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Na história milenar da noção de mito, que acontecimentos são comparáveis à obra de Lévi-Strauss? Não sei se existem outros além do próprio surgimento dessa noção, que, como se sabe, é dependente do nascimento da filosofia grega e da história. Não sei se na história da mitologia há dois acontecimentos tão fundamentais quanto aquele que excluiu o mito da razão e esse outro que o transformou em pensamento.
No entanto, mesmo entre os antropólogos que estudam as sociedades indígenas sul-americanas há certa reticência para com a obra mitológica de Lévi-Strauss. Ao fim de uma palestra que assisti recentemente, de um antropólogo francês que poderia ser considerado "lévi-straussiano" (pois acabava de expor um sistema panamericano formado pelos mitos do desaninhador de pássaros), um antropólogo norte-americano tomou a palavra e expôs o seu próprio método de análise dos mitos, opondo-o ao de Lévi-Strauss. Para mim, tratava-se de um só e mesmo método, e assim o seu Lévi-Strauss não tinha absolutamente o tamanho do meu. Na literatura etnológica sul-americana é fácil perceber como a dimensão de Lévi-Strauss varia conforme a simpatia e a tranqüilidade intelectual que sua obra suscita em cada um de nós. Quanto a mim, se tenho grande simpatia, não posso dizer que essa obra me tranqüilize. Pelo contrário.
A questão subjacente à minha exposição nesse seminário, do qual é uma grande honra participar, diz respeito à motivação da reticência de sul-americanistas com a obra mitológica de Lévi-Strauss. Dentre outras regras de método, o cuidado com a exaustividade é de enorme importância na economia geral da obra (Lévi-Strauss, 1991: 147), e é ela que motivaria a reticência dos etnólogos. Por vezes, essa exigência faz pensar em uma incontinência do espírito de simetria, e a questão de muitos leitores é saber a que, na realidade, correspondem, afinal, os grupos de transformação apreendidos ou construídos por Lévi-Strauss. Grosseiramente traduzida, a questão é saber se tais estruturas existem realmente ou foram imaginadas por ele.
Com certeza, Lévi-Strauss leva em conta uma diversidade de nuances da realidade que não poderia satisfazer a quem só se dispõe a considerar o preto e o branco, o sim ou o não. Há n’O cru e o cozido uma passagem (: 148) em que o autor não deixa nenhuma dúvida sobre o que pensa a respeito: distingue ali o tipo de existência dos grupos de transformação do tipo de existência do que chama famílias de mitos, isto é, um conjunto de mitos que tem existência empírica enquanto um conjunto (é o caso dos mitos jê de origem do fogo). Já as unidades construídas pela análise têm uma existência puramente lógica. Não estou segura de saber exatamente o que isso quer dizer, mas imagino que apenas a arte possa produzir coisas que são ao mesmo tempo particulares, limitadas no tempo e no espaço, e desprovidas de referência empírica.
Mas essa resposta põe uma outra questão. Minha intenção não sendo reduzir a obra a um trabalho estético, que motivos temos nós para reconhecermos nos grupos de transformação de Lévi-Strauss um valor estritamente etnológico? Pode-se argumentar que o verdadeiro ponto é que não existe nenhuma razão para negar-lhes esse valor. Mais ainda: se tais grupos não forem verdadeiros, nada do que fazemos em nossas etnografias poderia ser verdadeiro, pelo simples fato de que são construídos da mesma forma, a diferença sendo unicamente de escala.
Eu sugeriria um paralelo entre Lévi-Strauss e Darwin. Este descobriu que as diferenças entre os membros de uma espécie são da mesma natureza que as diferenças entre espécies, gêneros ou famílias; Lévi-Strauss descobriu que em um mito os episódios se articulam da mesma maneira como se articulam suas versões: são transformações lógicas uns dos outros. Se isso for verdade, por que parar aí? Por que não compreender do mesmo modo as diferenças entre mitos de sociedades distintas?
Ainda que se possa recusar legitimidade à fragmentação do relato operada por Lévi-Strauss – pois de fato a unidade com que ele trabalha é, dependendo do grau de evolução da análise, o episódio –, ainda assim seria difícil não reconhecer que nas sociedades que estudamos os episódios é que são freqüentemente acionados.
As razões, então, que teríamos para não aceitar o prolongamento da análise até as unidades dotadas de existência estritamente lógica não parecem ser, pois, motivadas pelo método, mas sim, penso, por um desacordo mais profundo em torno da aplicação do conceito de cultura. Retomarei esse ponto adiante.
Seríamos injustos se pretendêssemos avaliar agora, no final dos anos 90, o significado de uma obra cujos dispositivos mais fundamentais já se acham dados no artigo de 1955, "A estrutura dos mitos". O que era o mito antes de Lévi-Strauss?
Acredito não ser uma simplificação imprópria afirmar que, até então, o problema achava-se colocado mais ou menos assim: como é possível que pessoas tão razoáveis como nós venham a confiar em histórias inverossímeis? Elas não seriam, portanto, razoáveis, e o mito seria um discurso irracional. Obviamente a idéia de que eles se enganam e nós não nos enganamos, ou de que uns se enganam menos do que outros, só pode ser uma ilusão. A única saída seria afirmar que todos nos enganamos em uma só e mesma medida. É o que Lévi-Strauss propõe, afirmando que é preciso efetuar uma "ampliação dos quadros da nossa lógica" (Lévi-Strauss, 1958), determinar "uma quarta dimensão do espírito" (idem, 1950), a fim de poder dissolver a aparência de irracionalidade do mito.
Se o mito soa para nós como uma história desprovida de bom senso, o que é permitido concluir não é que seja uma história falsa, mas que não pode ser julgado pelo ponto de vista da história. O mito tem menos a ver com a história do que com a música, pois se trata, como esta e, em menor grau, a poesia, de uma linguagem introversa, que ignora a função referencial. Se, por outro lado, ocorre-nos opor história e mito, Lévi-Strauss (1962) proclama que a história é um mito. Ou seja, sustenta, ao mesmo tempo, que "A não é B" mas "B é A". Ora, essa relação de não-reversibilidade entre mito e história é fundamental, pois sem isso Lévi-Strauss não poderia restituir aos mitos seu pleno direito ao estatuto de pensamento. Está aberta a questão de como os índios tratam os seus mitos e a sua história; e se podemos imaginar que fazem com a segunda o mesmo que nós, não podemos contudo adivinhar o que fazem exatamente com os seus mitos, embora saibamos que não os tratam, absolutamente, como ficção.
Podemos observar uma mudança de perspectiva importante, que exprime uma alteração da relação hierárquica entre eles e nós. Lévi-Strauss se defronta com uma situação na qual era o ponto de vista da história que criava, simultaneamente, a história como relato verdadeiro e o mito como relato falso e incoerente. E ele decide assumir o ponto de vista do mito, a partir do qual pode encarar o mito e a história como mitos, sem que por isso haja uma perda da diferença entre o conhecimento histórico e a narrativa mítica. Vê-se assim criado um novo equilíbrio nas relações de forças que regem o aparecimento e o exercício da antropologia.
Mas o mito não se torna um ponto de vista a partir do qual se pode desenhar uma nova imagem do pensamento sem que o mesmo ocorra com o devir. E esse duplo deslocamento conduz Lévi-Strauss a considerar a temporalidade e o pensamento como fatos absolutos, e pensamento quer dizer aquilo em que a vida se torna com o aparecimento do homem na história da natureza, e a temporalidade não caracteriza os humanos mais do que os outros seres existentes no mundo.
Se, como propôs Malinowski, o significado de um discurso fosse realmente aquilo que ele faz, o significado das Mitológicas deveria ser procurado primeiramente no que fizeram. Seu significado incontestável é a alteração das práticas discursivas dos antropólogos e, também, de outros. Esses livros foram palavra de ordem, não porque capazes de proibir isso ou aquilo, mas porque mudaram a realidade, desmontando um saber que até então se tinha. Antes, todos sabiam definir o mito, sabia-se onde situá-lo na etnografia. Agora, nem dizemos mais as mesmas coisas nem temos a antiga segurança; os mitos abandonam os apêndices das etnografias e começam a despontar por toda parte. Principalmente, não sabemos mais o que é um mito.
Mas meu argumento cairia por terra caso se pudesse objetar que mito é simplesmente o nome que damos a relatos que ferem nosso senso de verosimilhança. Uma questão que se pode levantar é portanto, como fez Marcel Detienne (1981), se não existe uma certa continuidade entre a obra de Lévi-Strauss e o discurso da Razão a respeito do mito. Para Detienne, o simples ato de classificação de uma fala como mito exprimiria uma atitude política de exclusão.
Penso que essa continuidade é duplamente falsa, tanto pela maneira como a análise dos mitos é conduzida por Lévi-Strauss — a saber, aplicando aos mitos as operações míticas —, como pelo fato de que a etnografia comprova que as sociedades indígenas sul-americanas concebem uma especificidade dos relatos aos quais chamamos de mito em contraste com outros tipos de fala (Gallois, 1994). Os mitos são, para os índios, falas de um tipo irredutível. Sua especificidade é geralmente determinada, nessas sociedades, pelo que se poderia chamar de regime discursivo, isto é, de política da linguagem. Ou não se narram mitos em território alheio, ou há momentos do dia ou regiões do território em que determinados mitos não podem ser narrados, ou há aqueles que mulheres não podem contar, ou os mais jovens não o podem em face de um mais velho, e assim por diante. Tudo isso articulado a um dispositivo mais geral que determina que o peso político e o peso cosmológico de um relato dissociado do testemunho ocular não é o mesmo de um relato baseado nesse testemunho. Longe de ser consequência unicamente de nossos hábitos mentais, esse diferencial, que se convencionou marcar com os termos mito e história, apresenta um enraizamento evidente e grande importância nas sociedades indígenas.
No caso da sociedade juruna, a fala histórica não conhece limites de tempo e espaço, sendo totalmente nula quanto ao peso cosmológico; mas se existe a possibilidade de se ouvir a história de seu "dono" (a testemunha ocular ou, no caso da morte dessa, seus filhos ou, no caso da morte desses, seus netos) não se costuma narrá-la para alguém, exceto cercando-se de cuidados e recomendando ao interlocutor que procure o verdadeiro dono. Já a fala mítica, à qual não se atribuem donos entre as pessoas vivas, implica o direito do mais velho sobre o mais novo, além de limites de tempo e espaço, gênero e grau de periculosidade, variável segundo os relatos. A expressão mais tocante do peso incomensurável de um conjunto particular de mitos juruna foi feita a mim por um velho, que se dizia preocupado com a minha vida por causa de uma viagem de avião que eu ia fazer levando comigo a gravação das "falas de Senã’ã", o criador.
Mas ainda seria preciso examinar melhor a força de interferência do nosso senso de realidade. A primeira vez que contei a alguns Juruna um mito (era um relato apinayé), as pessoas não perceberam que quando terminei a narração o mito já tinha realmente acabado. A situação se repetiu em outras ocasiões, e lembra aquela em que, em uma sala de concerto, algumas pessoas começam a aplaudir antes da hora. Com os Juruna, tenho a impressão de que não percebem quando o mito termina, e isso tanto pode apontar para uma infinitude formal do relato quanto revelar que a minha opção de narrar mitos podando da narrativa o tópico inicial, que resume brevemente o desfecho da história, deixa-os em um estado permanente de expectativa: se omito o tema, como poderiam adivinhar o ponto em que seu desenvolvimento se conclui?
Uma vez tentei lhes contar o mito bororo que abre O cru e o cozido, e as pessoas simplesmente me impediam de prosseguir, até que alguém exclamou que eu estava mentindo, pois beija-flor não mergulha. Eu dizia que o beija-flor, para ajudar o jovem incestuoso, mergulhara para buscar um chocalho no ninho das almas. Pensei comigo: quem são vocês para me lembrar que beija-flor não mergulha! Não pude entender o que acontecera, minhas narrações sempre tinham sido bem recebidas, e, depois daquele dia, as pessoas não me interromperam nunca mais. O problema, então, só poderia derivar do mito. Imaginei que, como nenhum mito juruna que conheço explora o incesto entre mãe e filho, provavelmente as pessoas acharam a história bororo feia por isso. Meses depois pude descobrir, estupefata, que os Juruna tinham razão, pois, embora as almas bororo vivam de fato no fundo do rio, era em uma árvore que o mito situava o seu "ninho". A supressão da distância entre a realidade etnográfica e o mito, que a deficiência de minha memória me levava a operar, feria o senso de verossimilhança dos Juruna, que me mandaram calar a boca.
Os mitos, como mostrou Lévi-Strauss, não obedecem a constrangimentos bastante bem definidos que estão na base de uma lógica do sensível? Esse episódio mostrou-me que a razão da minha surpresa era a noção, absolutamente falsa, de que qualquer coisa é possível nos mitos. Isso indica também que o campo de possibilidade definido por nosso senso de verossimilhança não tem a mesma extensão nem a mesma compreensão que o campo de possibilidade dos Juruna, que percebem exatamente que os mitos de outras sociedades são falas dotadas de coerência, de interesse e de verdade.
Mas como poderiam os Juruna saber que os mitos dos outros pertencem ao mesmo tipo de fala que os seus? Penso que a questão já prefigure a resposta. Não poderiam sabê-lo caso um critério não fosse por eles levado em conta, a saber, o fato de os acontecimentos míticos serem dependentes de um campo de possibilidade que é outro com relação a sua experiência social. Na etnografia juruna, uma proposição como "o jovem casal tinha sua própria casa" é tão fabulosa quanto "as ariranhas eram donas da canoa". E isso não é sem consequências para a pesquisa etnográfica, pois relatos que não ferem nosso senso de verossimilhança podem ser tomados, erroneamente, como história. Os Juruna, por exemplo, são particularmente ricos em mitos que operam estritamente com os códigos político e sociológico e cuja identificação exige que se os projetem sobre o conjunto dos materiais etnográficos para se perceber que estão longe de se adequarem ao campo de possibilidade da vida social. São mitos no sentido próprio, como se pode, suplementarmente, verificar por sua posição no regime das falas.
O diferencial entre os dois campos de possibilidade indica, por si só, que os Juruna não aplicam aos mitos e às histórias baseadas em testemunho ocular os mesmos critérios de verdade. Ambos devem possuir uma consistência lógica específica, devem ser plausíveis de acordo com seu mundo de referência particular. Posso mentir ao contar que vi uma coisa tendo realmente visto outra, mas não posso mentir ao narrar um mito, exceto quando não sei narrá-lo. O que um mito narra realmente aconteceu, a própria existência do mito prova que é verdadeiro. Não sendo rara a existência de versões ligeiramente diferentes de um mito, e, até onde sei, estando excluída a hipótese de uma pessoa determinada alterar a história — todo mundo narra corretamente o que ouviu de seus mais velhos —, os Juruna consideram duas possibilidades. Ou acontecimentos muito parecidos ocorreram mais de uma vez, e, nesse caso, os relatos são geralmente executados consecutivamente pelo mesmo narrador (não sendo, aliás, de todo raro que esta situação de "tema e variações" exija do narrador a capacidade de reproduzir a sequência cronológica correta conferida ao conjunto). Ou então se trata de versões de um mesmo mito, cada uma fiel ao que o narrador ouviu, e que dão conta apenas aproximadamente do acontecimento tal como este se passou. Nesse caso, ninguém tem como saber hoje ao certo, podendo no máximo fazer suas próprias conjecturas sobre possibilidades outras que as apresentadas pelas versões disponíveis, isto é, podem imaginar uma nova versão dos pontos equívocos, sem que isso signifique que possam narrar o mito completo com base nessas conjecturas, as quais, conforme pude constatar, existem como versões autorizadas em outras sociedades tupi.
É de se notar, então, que, do ponto de vista dos Juruna, os mitos não são desprovidos de função referencial, e, ao menos nesse plano, nada permite aproximá-los da poesia. Mas isso está longe de significar que Lévi-Strauss negue aos mitos uma função que estes têm objetivamente no plano etnográfico, pois o que realmente importa aqui é que a função referencial dos mitos é de um tipo que apenas melhor os distingue de outras falas. Se a fala histórica se reporta por definição ao passado, a fala mítica se reporta, também por definição, a um passado anterior ao passado, a uma temporalidade que precede e, por isso mesmo, excede a temporalidade; reporta-se assim ao que foi e pode vir a ser, afirmando que o que pôde ter sido para outrem pode vir a ser para ti ou para mim. Quanto a certos conjuntos de mitos, os Juruna concebem uma tal relação de imanência entre a palavra e o acontecimento que o ato de dizer pode causar acontecimento. Em suma, se a palavra mítica transgride a função referencial ordinária da linguagem não é por carência, mas, como argumentou Lévi-Strauss a propósito da arte, por "excesso de objeto".
O que será, então, que motiva a reticência dos etnólogos com a obra mitológica de Lévi-Strauss? Já adiantei que, em minha opinião, tudo deriva menos do método aplicado aos mitos que do modo como o autor maneja o conceito de cultura. Penso que é justamente isso que possibilita a aplicação do método em escalas variáveis, a partir das quais se constróem objetos que decolam da realidade empírica tal como a concebemos. Em "A noção de estrutura na Antropologia", Lévi-Strauss explora a velha questão sobre quanto vale o conceito de cultura, propondo uma concepção totalmente instrumental:
"Chamamos cultura todo conjunto etnográfico que, do ponto de vista da pesquisa, apresenta, com relação a outros, afastamentos significativos. Se procurarmos determinar afastamentos significativos entre a América do Norte e a Europa, nós as consideraremos como culturas diferentes; mas, supondo que o interesse esteja voltado para afastamentos significativos entre — digamos — Paris e Marselha, esses dois conjuntos urbanos poderão ser provisoriamente constituídos como duas unidades culturais. O objeto último das pesquisas estruturais sendo as constantes ligadas a tais afastamentos, vê-se que a noção de cultura pode corresponder a uma realidade objetiva, sendo completamente função do tipo de pesquisa considerada. Uma mesma coleção de indivíduos, desde que ela seja objetivamente dada no tempo e no espaço, pertence simultaneamente a vários sistemas de cultura: universal, continental, nacional, provincial, local etc; e familiar, profissional, confessional, político etc.
Contudo, na prática, esse nominalismo não poderia ser levado até o seu termo. De fato o termo cultura é empregado para agrupar um conjunto de afastamentos significativos cujos limites, como prova a experiência, coincidem aproximadamente. Que essa coincidência não seja absoluta, e jamais se produza em todos os níveis simultaneamente, não deve nos impedir de utilizar a noção de cultura" (1958: 325)
Dá-se, pois, no campo da cultura o mesmo que no da história: assim como os períodos não se acham pré-recortados mas são construções dos historiadores, a humanidade tampouco é pré-recortada, exceto que naturalizemos os recortes ali introduzidos pelos grupos sociais e por nós mesmos. Mas o que quero ressaltar é como essa maneira de conceber a cultura se assemelha à compreensão de Evans-Pritchard a respeito da sociedade nuer. A segmentaridade nuer também implica que uma mesma coleção de indivíduos pertença a grupos de diversas ordens de grandeza, e que somente uma relação social determinada no tempo e no espaço pode dizer que grupos estão sendo constituídos e dissolvidos. Os grupos segmentares só têm existência em ato: nós somos A se e somente se em certo momento vocês são B. Juntos, vocês e nós, seremos C, caso outros se tornem D em relação a nós, e assim sucessivamente. De direito, senão de fato, os segmentos não são permanentes, reificados, transcontextuais ou atemporais, pois as identidades coletivas não são entidades empíricas mas relações diferenciais.
Ao lado do uso segmentar do conceito de cultura, a antropologia conhece um outro que se poderia chamar de imperial. A cultura é primeiro cortada da natureza e, em seguida, seus diferentes territórios são sobrecodificados de maneira a fazer crer que suas fronteiras sempre flexíveis e cambiantes são marcos naturais; por fim, esse grande império da cultura confere a cada território sobrecodificado o estatuto de império autônomo. Pode-se ir ainda mais longe, pode-se sempre sobrecodificar o já sobrecodificado, de modo que se anteriormente os impérios autônomos mantinham relações de equivalência e incomensurabilidade, ou seja, se cada um diferia de todos os outros na mesma medida em que estes diferiam entre si, agora um dos impérios pretende diferir de todo o conjunto de maneira diferente.
Onde quer que a operação imperial se apresente, a natureza está cortada da cultura e as diferentes culturas daí resultantes exigem, para sua análise, a noção de princípio ou a de totalidade expressiva. Trata-se do conhecido mecanismo, segundo o qual, o que quer que você faça, está condenado a exprimir o princípio; o que quer que você diga, isso diz a totalidade.
As Mitológicas representam sem dúvida a obra antropológica menos comprometida com o uso imperial da cultura. Não peço que me acreditem sob palavra, mas eu, que acabei de reler O cru e o cozido, sinceramente não sei qual a diferença que, grosso modo, existiria entre os Tupi e os Jê, por exemplo, no que diz respeito à mitologia dos dois conjuntos de povos. Nenhuma tipologização das sociedades que ali comparecem através de seus mitos. Ninguém é o oposto de ninguém, tem o que o outro não tem, pensa o que o outro não pensa, é o que o outro não é. E isso não porque sejam todos iguais, mas porque as diferenças pipocam em todos os lados, inclusive em cada um.
O que à primeira vista é mais enigmático é que isso possa resultar de um homem que trabalha como um motor de fabricação de oposições. A linguagem de Lévi-Strauss, marcada pelos termos oposição, simetria, inversão, apenas aparentemente sugere uma semelhança com o pensamento de antropólogos que usam de maneira explícita ou não os mesmos instrumentos analíticos. Antes contudo de examinar esse ponto exploremos a problemática lévi-straussiana da separação entre natureza e cultura.
A participação de Lévi-Strauss no seminário de Lacan em 30 de novembro de 1954 ensejonte uma conversa curiosa. Mannoni, após ressaltar que o tratamento lévi-straussiano da distinção natureza e cultura já não se formulava nos termos clássicos de uma oposição entre o natural e o institucional, o universal e o contingente, declara que "[d]epois de Lévi-Strauss, tem-se a impressão de que não se pode mais empregar as noções de cultura e de natureza" (Lacan, 1985: 56). Aparentando mais tranqüilidade que Mannoni ou Hyppolite, Lacan relata o seguinte:
"... Meus diálogos pessoais com Lévi-Strauss permitem-me esclarecer-lhes este ponto.
Lévi-Strauss está recuando diante da bipartição muito categórica que faz entre a natureza e o símbolo, e cujo valor criativo ele no entanto percebe bem, pois é um método que permite distinguir os registros entre si, e, da mesma feita, as ordens de fatos entre si. Ele oscila, e por uma razão que pode parecer-lhes surpreendente, mas que é perfeitamente confessada por ele — teme que, por detrás da forma da autonomia do registro simbólico, reapareça mascarada uma transcendência pela qual, em suas afinidades, em sua sensibilidade pessoal, ele só sente temor e aversão. Em outros termos, teme que depois de termos feito Deus sair por uma porta, o façamos entrar pela outra. Não quer que o símbolo, e nem mesmo sob a forma extremamente depurada com a qual ele mesmo o apresenta a nós, seja apenas uma reaparição de Deus por detrás de uma máscara. Eis o que está na origem da oscilação que ele manifestou quando colocou em causa a separação metódica do plano do simbólico do plano natural" (Lacan, 1985: 51-2)
Não sei se o temor, mas a antipatia pela transcendência, Lévi-Strauss não oculta dos leitores. Costuma-se dizer que sua posição mudou depois das Estruturas elementares do parentesco. Ele mesmo reflete sobre isso no Prefácio à segunda edição desse livro, formulando um paradoxo curioso. Começa observando que a simplicidade da oposição natureza e cultura cairia por terra caso ela fosse obra (como os antropólogos afirmam) do próprio homem, pois então, prossegue, "não seria nem um dado primitivo, nem um aspecto objetivo da ordem do mundo (Lévi-Strauss, 1967: XVII). Vemos assim que se trata menos de opor-se ao senso comum antropológico que levá-lo até suas últimas consequências. Ou seja, se a antropologia estiver correta ao dizer que os humanos se afastam da natureza, então a separação é estritamente imaginária. A saída desse paradoxo é bem conhecida: Lévi-Strauss afirmará a existência de uma continuidade real e de uma descontinuidade lógica entre natureza e cultura, e proporá a utilização da oposição como instrumento de análise.
Vê-se então como Lévi-Strauss, que recusa diversos dualismos característicos de nossa tradição (sensível/inteligível, indivíduo/sociedade, emoção/razão, mito/história, eu/outro ou mesmo, em certo sentido, natureza/cultura), atribui ao último um valor metodológico. O que quer dizer que Lévi-Strauss confere ao par natureza e cultura um tratamento do mesmo tipo daquele que confere a oposições como côncavo e convexo ou horizontal e vertical. Não creio afastar-me demasiadamente da concepção do autor aproximando-a da oposição fonológica: natureza e cultura são "signos diferenciais, puros e vazios" (idem, 1986: 209).
Conferir ao imaginário o estatuto de método, é usá-lo para elucidar o próprio imaginário, sem com isso iludir-se, acreditando-se capaz de tê-lo superado. Ao tomar a oposição como imaginária, Lévi-Strauss não supõe ter atingido nenhum ponto de vista a partir do qual se pode opor o real ao imaginário, pois aqui a única verdade que se pode almejar nasce quando o imaginário se vê a si mesmo como tal. Em outras palavras, se ele nega à oposição entre natureza e cultura qualquer referência na ordem do mundo, é apenas para sustentar que, primeiro, sua relação é de imanência e, segundo, que a oposição é real, mas somente enquanto uma realidade do pensamento.
Examinemos agora como o problema aparece em uma das Mitológicas, O cru e o cozido. Nesse livro, observam-se dois usos diferentes da oposição natureza e cultura, que ora se apresenta como um meio de análise, ora como um objeto. Enquanto instrumento analítico, porém, esse par pertence a um conjunto de várias dezenas de outros pares de termos opostos, os quais não se situam no mesmo nível de abstração, e cuja grande maioria é, sem sombra de dúvida, exprimida de maneira direta pelos próprios mitos. A função do mitólogo consiste em evidenciá-las e, por vezes, traduzi-las em outras oposições que ligam termos pertencentes ao campo do conceito mais do que ao campo do signo. É esse o caso justamente do par natureza e cultura, que traduz a oposição entre signos como cru e cozido ou anta e homem. O procedimento garante uma certa continuidade entre os mitos e as análises; a premissa talvez sendo justamente que para compreender como os mitos pensam é preciso pensar como eles.
Analisar os mitos é, com efeito, colocar-se em seu prolongamento e fazer o que eles fazem. Mas o que fazem? Como em uma espécie de grande laboratório simbólico, os mitos fazem experiências com as relações de subordinação da linguagem. Neles, a diferença entre denotação e conotação só é posta para ser ultrapassada. Um mito jê (M163) fala de um diadema de penas vermelhas que "brilhava tanto que parecia fogo de verdade"; o pica-pau jogou esse diadema para o sol que se achava ao pé da árvore, e o sol "pegou-o, passando-o rapidamente de uma mão para a outra, até esfriar..." (Lévi-Strauss, 1991: 277). Devido ao desajeitado irmão do sol, o diadema provocará um incêndio que destruirá a floresta e os animais. A semelhança prefigura a identidade, o ícone se torna índice, a metáfora também tem uma relação existencial com o objeto.
Também a diferença entre o nome próprio e a pessoa só é posta para ser ultrapassada. Em um mito tupinambá (M96), um homem chamado Sarigüê abusa da mulher de Maíra Ata, engravidando-a; seu castigo será transformar-se em sarigüê (Lévi-Strauss, 1991: 170).
Dá-se o mesmo com a relação entre a palavra e a coisa. No mito bororo de origem do fogo (M55), o jaguar, oferecendo-se para jantar com o macaco, indaga: "Mas... onde está o fogo?" (: 127), como se a linguagem precedesse a realidade. O macaco o engana, fazendo-o confundir a imagem do sol poente com o fogo, e, enquanto o jaguar corre em vão ao horizonte ocidental para buscá-lo, o macaco inventa a técnica de produção do fogo por fricção.
Da mesma forma, o pensamento cria a realidade. O caçador aplicado de um mito carib (M162) se descobre tomado de desejos por um guariba fêmea assado e suspira: "Se ela pudesse se transformar em mulher para mim!" E ela realmente se transforma para ele! (: 261). O xamã de um mito apapocuva (M64) finge-se de morto e, simplesmente, apodrece.
Um mito arekuna (M145) introduz uma experiência um pouco mais complicada. Se a experiência da diversidade humana nos permite tomar consciência da variabilidade dos signos no mundo relativamente constante das coisas, esse mito forja uma variável inteiramente nova: postula uma situação em que os signos são constantes mas as coisas não. É justamente isso que uma anta fêmea explica a um homem, seu ex-filho adotivo, atual marido. Ao deixar de tê-lo como filho para tomá-lo como marido, a anta explica-lhe que em seu mundo as coisas são diferentes: tua cobra venenosa é o meu tacho de torrar; minha cobra é o teu cão.
Os mitos assim postulam um mundo cuja relação de alteridade com o mundo da experiência social deriva, diríamos, de as coisas assumirem a função de signos e os signos a função de coisas. Um mundo de antes da divisão entre palavra e coisa, existência lógica e realidade empírica, ou natureza e cultura.
Qual a relação entre essa propriedade dos mitos e o método de Lévi-Strauss? Simplesmente, ela é incorporada ao método, destruindo-se com isso, nas próprias dimensões analíticas da obra, as confortantes relações hierárquicas entre referência, signo, nome, significado, sentido próprio, metáfora; retirando-lhes os apoios natureza e cultura, sujeito e objeto ou existência lógica e realidade empírica. E a análise adquire com isso um novo tipo de continuidade com os mitos, que se pode observar em múltiplos planos.
Em um mito kayapó (M125), os homens matam uma anta; em um mito bororo (M2), um homem estupra uma mulher. Dentre outras relações de transformação que atraem sem dificuldade a cumplicidade dos leitores, para Lévi-Strauss, o estuprador é a anta! Caso contrário, como poderia o mito bororo afirmar que o estuprador pertence ao clã das antas?
O incesto do desaninhador de pássaros bororo (M1) se transforma em um eclipse (Lévi-Strauss, 1991: 281), visto que este, na América do Sul como em outras partes do globo, exige uma algazarra que, na Europa, é exigida por uniões conjugais condenáveis. Por sua vez, a exposição da carne crua ao sol nos mitos jê de origem do fogo (M7 a M12) se torna um incesto entre o céu e a terra, por intermédio dos raios de sol. A coisa evolui para uma beleza selvagem e misteriosa quando Lévi-Strauss, antecipando a objeção dos leitores quanto ao caráter conjectural e especulativo dessas relações, oferece-lhes um mito inuit (M156) no qual o eclipse é o abraço que o sol por vezes consegue dar em sua irmã.
Para a oposição natureza e cultura enquanto um objeto de análise e tal como é concebida pelos mitos, particularmente por um conjunto de mitos relativos à origem dos venenos de pesca e caça, Lévi-Strauss oferece uma análise situada em um nível análogo ao daquela de Dumézil sobre a ideologia tripartite dos indoeuropeus (Bellour & Clément, 1979). Não cabe aqui apresentar de forma completa os resultados de uma análise que mostra como os mitos pensam a relação entre natureza e cultura nos termos de uma "dialética dos grandes e pequenos intervalos", e como a natureza é concebida como um "mundo ao contrário". Trata-se de uma contribuição para o conhecimento etnográfico das cosmologias indígenas que, até onde sei, esperou trinta anos para que começássemos a perceber sua importância. Refiro-me ao fenômeno que Lévi-Strauss batizou de reciprocidade de perspectivas entre natureza e cultura — e aqui me refiro a uma noção indígena de ponto de vista que os mitos do timbó explicitam:
"Sempre, a natureza imita o mundo da cultura, mas ao inverso. A cozinha exigida pela rã é o contrário da dos homens, já que ela manda a heroína limpar a caça, colocar a carne no moquém e as peles no fogo, o que significa agir contra o bom senso, já que os animais são moqueados com a pele, em fogo baixo. Com o mito arekuna, essa característica de mundo ao contrário fica ainda mais acentuada: a anta cobre o filho adotivo de carrapatos à guisa de pérolas: 'Ela os colocou em volta do pescoço dele, nas pernas, nas orelhas, nos testículos, debaixo dos braços, no corpo todo'.
Não basta, portanto, dizer, que, nesses mitos, a natureza e a animalidade se invertem em cultura e humanidade. A natureza e a cultura, a animalidade e a humanidade tornam-se aqui mutuamente permeáveis. Passa-se livremente e sem obstáculos de um reino a outro; em vez de existir um abismo entre os dois, misturam-se a ponto de cada termo de um dos reinos evocar imediatamente um termo correlativo no outro reino, próprio para exprimi-lo assim como ele por sua vez o exprime. Ora, esse sentimento privilegiado de uma transparência recíproca da natureza e da cultura (...) não poderia ser devidamente inspirado por certa concepção do veneno? Entre a natureza e a cultura, o veneno opera uma espécie de curto-circuito. É uma substância natural que, enquanto tal, vem se inserir numa atividade cultural e que a simplifica ao extremo. O veneno ultrapassa o homem e os meios ordinários de que ele dispõe, amplifica seu gesto e antecipa-lhe os efeitos, age mais depressa e de modo mais eficaz. Seria, portanto, compreensível que o pensamento indígena visse nele uma intrusão da natureza na cultura. A primeira invadiria momentaneamente a segunda: por alguns instantes, ocorreria uma operação conjunta, onde suas partes respectivas seriam indiscerníveis" (Lévi-Strauss, 1991: 262-3)
Não sei se posso concordar inteiramente que o mundo ao contrário em que consiste a natureza, segundo a filosofia indígena, seja inspirado pelo veneno mais do que pelo fogo, pela anta ou morcego. Também os pontos de vista do jaguar e dos urubus são ressaltados pelos mitos, caracterizando igualmente a transparência, a permeabilidade e a contrariedade entre natureza e cultura. O mito matako de origem do jaguar (isto é, de um dono do fogo), M22, fala de uma mulher, futura onça, que arranca com uma dentada a cabeça de seu marido, leva-a para casa e mostra aos filhos dizendo tratar-se da cabeça de um tatu. O conjunto formado pelos mitos tupi de origem do fogo oferece um mito (M65) no qual os urubus encontram o cadáver de um deus que se finge de morto e acendem uma fogueira a fim de ressuscitá-lo. Mais sugestivo ainda é um mito tacana (M42), no qual o morcego, que, ao contrário do timbó, "encarna uma disjunção radical da natureza e da cultura" (Lévi-Strauss, 1991: 132), mantém-se casado com uma humana que ignora sua condição até o dia em que ela vê um morcego sorrindo para ela e o mata sem nele reconhecer o marido (:123).
Para terminar, a mitologia juruna põe uma pequena dificuldade para cuja solução o esforço dispendido pareceria a alguns inteiramente derrisório. Serei por isso muito breve. O mito juruna de origem do fogo tem o gavião como seu primeiro dono, mas afirma que este jamais perdeu sua posse. Isso significa que o que o mito realmente narra é que os humanos compartilham o fogo com o gavião. Quando porventura algum gavião lhes rouba carne assada de um moquém, como já vi acontecer, as pessoas procedem como o jaguar benevolente e cordato de um dos mitos jê. De outro lado, segundo seu mito do desaninhador de pássaros, o herói (que aliás tem a posição de genro) é salvo justamente por um certo gavião real que lhe dá sangue para beber, uma vez que sangue é água para o gavião. Este come cozido, mas bebe cru. Para um povo que considera as bebidas fermentadas como a marca por excelência da vida cultural, o gavião encarna, diria Lévi-Strauss, a mais radical disjunção entre natureza e cultura que se possa conceber.
Batizei esse mito de Pássaro de Fogo, e descobri mais tarde que a melhor maneira de memorizar mitos é dar-lhes um nome próprio. Essa fantasia indica as muitas relações que podemos manter com uma pessoa que certamente jamais conheceremos, mas cujos livros entram em nossas vidas como uma verdadeira pessoa, afetando a matéria mais íntima de nossa subjetividade.
Uma última palavra: "dado que a razão herda e exprime os direitos daquilo que submete o pensamento, o pensamento reconquista seus direitos e se faz legislador contra a razão: o lance de dados, esse era o sentido do lance de dados" (Deleuze, 1997: 107).

Notas
1 Tânia Stolze Lima é professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da Universidade Federal Fluminense. É etnóloga e pesquisa um povo tupi do Alto-Xingu, os Juruna.

Bibliografia
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1979 "Entretien avec Claude Lévi-Strauss", in: BELLOUR, R. & CLÉMENT, C. (orgs.), Claude Lévi-Strauss, Paris, Gallimard, pp. 157-210.        [ 
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DELEUZE, G.
1997 [1962] Nietzsche et la Philosophie, Paris, PUF.        [ 
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1981 L’Invention de la Mythologie, Paris, Gallimard.        [ 
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GALLOIS, D. T.
1994 Mairi Revisitada. A Reintegração da Fortaleza de Macapá na Tradição Oral dos Waiãpi, São Paulo, NHII-USP/FAPESP.        [ 
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LACAN, J.
1985 O Seminário. Livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.        [ 
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1950 "Introduction à l’Oeuvre de Marcel Mauss", in MAUSS, M., Sociologie et Anthropologie, Paris, PUF, pp. IX-LII.        [ 
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1958 Anthropologie Structurale, Paris, Plon.        [ Links ]
l962 La Pensée Sauvage, Plon, Paris.        [ Links ]
1967 Les Structures Élémentaires de la Parenté, Mouton, Paris.        [ Links ]
l986 "As Lições da Lingüística", in O olhar distanciado, Lisboa, Edições 70, pp. 201-12.        [ Links ]
1991 [1964] O cru e o cozido, São Paulo, Brasiliense.        [ Links ]


ABSTRACT: The aim of this article is to develop some aspects of the great and deep contribution of Claude Lévi-Strauss to the study of Amerindian mythology. To do so it tries to articulate a few myths with the theme of the opposition between nature and culture (also developed by Lévi-Strauss). Besides that, the article brings some ethnographic data related to an indigenous conception of myth – obtained mainly from the author's field experience with the Juruna of the Upper-Xingu River.
KEY-WORDS: Lévi-Strauss, Myth, Nature and Culture, Juruna.
Fonte: Revista de Antropologia
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