REICH DO CORPO AO SEXO, DO SEXO À ENERGIA UNIVERSAL

Wilhelm-Reich
Wilhelm Reich

          REICH DO CORPO AO SEXO, DO SEXO À ENERGIA UNIVERSAL

    Outro importante pioneiro da ideia de que corpo e mente deveriam ser integrados e recuperados em conjunto foi Wilhelm Reich (1896-1957). Nascido na aldeia de Dobrzanica, a noroeste da Ucrânia(*a), Reich veio cursar faculdade de medicina na Alemanha, concluindo sua formação em  1922.  Iniciou suas atividades profissionais na Policlínica Psicanalítica de Viena, instituição destinada àqueles que não poderiam pagar o tratamento convencional. Ali Reich incluiu no tratamento de pacientes com distúrbios mentais técnicas de hipnose e de psicoterapia. 


Antes de formar-se, este pioneiro terapeuta do corpo havia ingressado em 1920 na Sociedade Psicanalítica de Viena, liderada por Sigmund Freud. Considerado um clínico brilhante, certos analistas, inclusive o próprio Freud, “encaminhavam para Reich os clientes considerados difíceis de serem tratados”.(1) Reich conhecera Freud na faculdade, tornando-se um seguidor e admirador do criador da psicanálise. Contudo, em 1929, mestre e discípulo se desentenderiam em uma reunião na casa do próprio Freud, “durante uma reunião do círculo íntimo psicanalítico.”(2) Reich, baseando-se em mais de dois anos de experiência no atendimento que realizava à população carente, apresentou uma série de reflexões de como se produzia socialmente as prisões do corpo, as amarras emocionais/sexuais da população, e defendeu a necessidade de se encontrar medidas para combater este estado presente, que privava o ser humano de suas expressões interiores vitais. Freud desaprovou totalmente esta tentativa de intervenção social porque, segundo as novas teorias que desenvolvia no período, não seria possível evitar de um modo efetivo os  conflitos na vida civilizada; viver em sociedade sempre implicaria, “necessariamente, em uma certa restrição da felicidade.”(3) Esta ideia se verifica claramente em “O mal-estar na cultura”, obra onde Freud afirmou: “... a intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no plano da ‘Criação’.”(4) Em seu conceito de pulsão de morte, Freud apontou igualmente para uma visão fatalista quanto à conquista da felicidade. O criador da psicanálise afirmava que o instinto para a vida (Eros) e o instinto para a destruição (Thanatos), estão sempre em conflito no ser humano, sendo este último igualmente inerente à natureza do homem, e portanto, inevitável.       
 Reich dedicou sua vida a provar o contrário, que o princípio de autodestruição (pulsão de morte ou Thanatos) não é inerente à natureza humana, mas provocado por condições sociais, e portanto, pode ser erradicado do corpo e da alma. Em 1952, afirmou: “Enquanto Freud elaborou a sua teoria da pulsão de morte, que dizia ‘a miséria vem de dentro’, eu fui ao encontro das pessoas onde elas estavam.”(5) E foi assim, em meio às pessoas, pesquisando o corpo, trabalhando-o, que Reich descobriu: este podia ser de fato libertado. Observou que toda sorte de bloqueios, repressões de caráter sexual e emocional se expressavam diretamente no corpo por meio de rigidez muscular. Desse modo, resolveu na década de 1930 a trabalhar diretamente no corpo, nestas regiões de repressões e angústias visíveis fisicamente, que formavam a couraça muscular, assim denominada por Reich. Primeiramente, este brilhante terapeuta começou a analisar as atitudes de seus pacientes, os detalhes da postura, os hábitos físicos. Esforçou-se para fazê-los compreender de como eram prisioneiros de seu próprio corpo. Para isso, Reich imitava com frequência suas características, seus gestos, suas posturas; fazia com que repetissem ou exagerassem certo comportamento habitual, por exemplo, um sorriso nervoso. Reich fazia os pacientes intensificarem uma tensão particular para que se apercebessem mais desta, e aliviassem a emoção prisioneira naquela parte do corpo. O objetivo era fazer que compreendessem como seu corpo não lhes pertencia totalmente. Assim, conforme “os pacientes cessavam de tomar como certa a sua constituição de caráter, aumentava sua motivação para mudar.”(6)

          A afirmação do teatrólogo Antonin Artaud, de que não “se separa o corpo do espírito...” era comprovada na prática por Reich, que percebia este fato: cada emoção estrangulada se manifestava fisicamente por meio de rigidez. Em outras palavras, a emoção era detida, aprisionada na tensão do corpo. Reich descobriu que apenas com a liberação da emoção reprimida, a tensão crônica correspondente poderia desaparecer por completo.  Portanto, prisão do corpo ou prisão da mente, basicamente eram a mesma coisa, duas faces de uma mesma moeda.



Estudando a couraça muscular repressora, Reich concluiu que ela “está organizada em sete principais segmentos de armadura (...). Estes segmentos formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com a espinha e o torso. Os principais segmentos da couraça estão centrados nos olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdome e pelve.”(7)

          A energia biológica deveria fluir naturalmente por todo o corpo, de cima a baixo, paralela à espinha. Contudo, os anéis da couraça, colocando-se em ângulo reto com este fluxo, o interrompem. Reich afirma que não é por acaso que “na cultura ocidental aprendemos a dizer sim movendo a cabeça para cima e para baixo, na direção do fluxo de energia do corpo, enquanto que aprendemos a dizer não movendo a cabeça de um lado para o outro, na direção transversa da couraça.”(8) Assim, a couraça acaba restringindo “tanto o livre fluxo de energia como a livre expressão de emoções do indivíduo. O que começa inicialmente como defesa contra sentimentos de tensão e ansiedade excessivos, torna-se uma camisa de força física e emocional.”(9)


 Aos poucos, Reich percebeu que poderia trabalhar diretamente sob esta couraça, utilizando as mãos sobre os músculos tensos dos pacientes, a fim de desprender deles as emoções bloqueadas. Percebeu que a bioenergia era reprimida de forma mais intensa na área pélvica. Em seus estudos, concluiu que a energia sexual era uma força extremamente poderosa, sendo a sua repressão extremamente prejudicial ao ser humano. Para Reich, os distúrbios físicos e emocionais tinha sua causa central na insatisfatória descarga da excitação sexual. Com a libertação dos bloqueios do corpo, a terapia deveria também propiciar uma plena capacidade para o orgasmo sexual, que Reich percebia bloqueado na maioria dos homens e das mulheres.

          Assim que os pacientes de Reich renunciavam à sua couraça e desenvolviam capacidade para uma plena entrega genital, toda sua existência e estilo de vida mudavam basicamente. Acreditava Reich que a liberação do reflexo do orgasmo restabelecia as sensações de profundidade e seriedade. Seus pacientes lembravam-se “do tempo da sua primeira infância, quando a unidade de suas sensações corporais não estava perturbada. Tomados de emoção, falam do tempo em que, crianças, sentiam-se identificados com a natureza e com tudo que os rodeava, do tempo em que se sentiam ‘vivos’ e como finalmente tudo isto fora despedaçado e esmagado pela educação.”(10) A rígida moral da sociedade já não se apresentava como certa a estes indivíduos, mas como algo verdadeiramente estranho, antinatural. Suas lembranças da infância, todas suas experiências e liberdade alcançadas fazem lembrar os anseios e reflexões do personagem central da obra nomeada “Antonin Artaud – Almas Manipuladas”:

"O que significaria tudo aquilo? Estaria de fato perdendo a noção do real e do irreal? Quais eram os pensamentos deles e quais eram os meus? Afinal, o que dentro de mim era natural de mim? Natural no sentido de verdadeiro, não construído, não inventado, não contaminado. O que em mim seria a vida real do meu ser-criança, a graça em sua origem pura, liberta desse esgoto repleto da fecalidade e da urina do mundo? (11)

    


Mas como – esta era a questão inicial que em mim se debatia –, como poderia obter aquilo de que o meu ser tanto necessitava? de que modo recuperar aquela parte tão preciosa de mim mesmo, que se perdera? (12)    


(...) descobriria que o Teatro (...) seria o meu destino; (...) uma busca intrépida (...) do meu ser-criança, do meu ser desperto – inteiro – perdido em algum ponto desta vida, ou mesmo antes: quando era em um tempo fora do tempo, quando a sensibilidade unia-se a todas as coisas, e minha alma se via inteiramente livre, não bloqueada, não separada do mundo... (13)" 


                         


Em sua busca para libertar o corpo de suas amarras, Reich chegou nos anos de 1930 a uma decisiva conclusão: que a bioenergia presente em cada ser vivo é um aspecto de uma energia universal, presente em todas as coisas, base de toda criação. Deu a esta energia o nome de orgone, termo que derivou de organismo e orgasmo.



 O conceito do orgone como uma força primordial responsável pela estabilidade de toda a natureza, remetia a noções menosprezadas pela ciência tradicional, como, por exemplo, o “prana” da Teosofia ou mesmo o “fluído cósmico universal”, do fundador do espiritismo, Alan Kardec. Contudo, diferentemente dessas e outras doutrinas, Reich estava determinado a comprovar a existência dessa energia primordial por meio de rigorosa pesquisa científica. Assim, estendeu suas pesquisas inicialmente para as áreas de biologia e fisiologia, em laboratório, e posteriormente dedicou-se à física.
 Após desenvolver suas investigações em vários países europeus, Reich fixou residência nos EUA no ano de 1939. Em Nova Iorque, criou uma máquina com a qual pretendia acumular a energia orgônica. Mudando-se para o estado do Maine em 1944, “construiu ali uma casa, dando-lhe o nome de Orgonon.”(14) 

              Casa Orgonon, Maine.


Reich pretendia que seu invento, uma espécie de caixa acumuladora de orgone, pudesse auxiliar a restabelecer o equilíbrio energético das pessoas e mesmo curar várias doenças. No entanto, acusado por fraude, foi perseguido pelo FBI e pela FDA (agência americana responsável pela regulação de gêneros alimentícios e medicamentosos). Em 1954, a Administração de Alimentos e Drogas dos EUA(*b) proibia a distribuição das Caixas de Orgone, considerando-as fraudulentas. Os acumuladores de orgone criados para fins de pesquisa simplesmente foram destruídos e os livros de Reich queimados. Reich pretendia “a cura do câncer e neutralizar a energia atômica, fato que preocupava a indústria farmacêutica e o governo americano; os primeiros perderiam os milhões arrecadados com seus ‘tratamentos’ e os segundos...”(15) 


 Em 1957 Reich foi preso, acusado de ainda comercializar sem permissão seus acumuladores de orgônio. Em sua defesa, declarou não “reconhecer a competência dos tribunais no que se referia a emitir julgamentos sobre assuntos científicos.”(16) Acusado de desrespeito à Lei, foi condenado a dois anos de prisão e considerado paranoico. Na sua transferência à penitenciária de Lewisburg (Pensilvânia), que possuía tratamento psiquiátrico, o diagnóstico final declarou-o mentalmente são. Contudo, Reich não foi libertado, mas passou “por diversos constrangimentos e tratamentos suspeitos dentro da prisão”, entre os quais, a aplicação de drogas.(17) Veio a falecer na prisão em dezembro de 1957. Segundo as fontes oficiais, a causa da morte foi um ataque cardíaco.


   Assim, aquele que tanto lutou pelo bem estar do ser humano, que tanto contribuiu para sua cura; que demonstrou a necessidade de erradicar a neurose social tanto do corpo quanto da mente, aquele que deveria ser louvado por suas descobertas, foi assim tão injustamente recompensado pelos seus esforços. Felizmente, os seguidores de Reich preservaram os seus ensinamentos, que sobreviveram e vieram futuramente a serem reconhecidos por muitos. Contudo, é impossível não lamentar o triste fim desse revolucionário terapeuta do corpo, que muitas vezes foi considerado um louco por defender energicamente as suas descobertas. E “o que é um autêntico louco?”, pergunta Antonin Artaud. Sua resposta: “... louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, pois é impedido por esta de enunciar certas verdades que lhe são intoleráveis.”(18)


VÍDEO SOBRE WILHELM REICH:

Desde a muito o ser humano tem perdido o contato com o seu corpo, com as suas reações físicas e emocionais mais vitais. Contudo, surgiram aqueles que ousaram levantarem-se contra todo o tipo de preconceitos, e lutaram com todas as suas forças para resgatar o corpo humano, para curá-lo, restaurando a sua conexão com a mente e o espírito. O Resgate do Corpo Perdido é uma verdadeira aventura de descobertas, uma viagem pelo trabalho e pelas ideias de importantes artistas e terapeutas QUE idealizaram seus próprios métodos revolucionários. Artaud, Boal, Reich, Moreno, Janov, Bert Hellinger. Teatro, terapia corporal, psicanálise. Os vários caminhos e os obstáculos de uma fascinante jornada para a cura da alma em conjunto com o corpo. Uma obra de Dan Thoth! Venha embarcar em incríveis descobertas.








      O TEXTO DESTE POST FAZ PARTE DA OBRA "O RESGATE DO CORPO PERDIDO". SAIBA MAIS LOGO ABAIXO.  

NOTAS:


(*a) Esta região pertencia na época ao Império Austro-Húngaro. Hoje é parte da Polônia.
             
(*b) FDA (Food and Drug Administration dos E.U.A.).



            BIBLIOGRAFIA:


(1) DANTE, Moretti. Wilhelm Reich. [online]. Localizado em 19.06.2010.  In: < http://blogs.abril.com.br/arteteiadapalavra/2010/06/resgate-corpo-perdido-parte-tres.html>.


         (2) REICH, Wilhelm apud
 BEDANI, Airton; ALBERTINI, Paulo. Política e Sexualidade na trajetória de Reich: Viena (1927-1930) - O confronto com a teoria cultural freudiana [online]. In: < http://www.org2.com.br/sexologiapolitica-viena.htm >. Localizado em 19.06.2010. Artigo publicado originalmente em Encontro – Revista de Psicologia, vol. 11, n.o 14, jul/dez 2006, p. 62-77. Fonte original da citação: Higgins, M., & Raphael, C. (Org.). (1972). Reich speaks of Freud. New York: Condor Book, p. 42.

(3) BEDANI, Airton; ALBERTINI, Paulo. Política e Sexualidade na trajetória de Reich: Viena (1927-1930) - O confronto com a teoria cultural freudiana [online]. In: < http://www.org2.com.br/sexologiapolitica-viena.htm >. Localizado em 19.06.2010. Artigo publicado originalmente em Encontro – Revista de Psicologia, vol. 11, n.o 14, jul/dez 2006, p. 62-77.

(4) FREUD, Sigmund apud BEDANI, Airton; ALBERTINI, Paulo. Op. Cit. Original da citação: Freud, S. (1930/1974). O mal-estar na civilização (J. Salomão, Trad.). In: Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XXI, pp. 81-171). Rio de Janeiro: Imago, entre p. 94/95.

(5) REICH, Wilhelm apud BEDANI, Airton; ALBERTINI, Paulo. Op. cit. Original da citação: Higgins, M., & Raphael, C. (Org.). (1967/1972). Reich speaks of Freud.New York: Condor Book, pag. 42.

(6) Personalidade. WILHELM Reich – A Couraça Muscular [online]. Baseado no livro “Teorias da Personalidade” – J. Fadiman, R. Frager – Habra – 1980.  In: <       http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=161&sec=53 >. Localizado em 19.05.2010.

(7) Op. cit. Crescimento Psicológico [online].  

(8) Op. cit. [online].

(9) Op. cit. [online].

(10) Op. cit. A pelve [online]. 

(11) THOTH, Dan. Antonin Artaud: Almas Manipuladas – A Opressão do Pai. São Pedro do Sul, RS: Copirraite©Dan Thoth, 2010. , p. 71. Impressão: Clube dos Autores, in: < http://clubedeautores.com.br/ >.

(12) THOTH, Dan. Op. cit., pág. 21.

(13) THOTH, Dan. Op. cit., pág. 83.

(14) Uol Educação. Biografias. Psicanalista austríaco WILHELM Reich [online]. In: <http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u314.jhtm >. Localizado em 19.05.2010.

(15) DANTE, Moretti. Wilhelm Reich. [online]. Localizado em 19.06.2010.  In: < http://www.indicapira.com.br/padrao.aspx?texto.aspx?idcontent=4710&idContentSection=1979 >.


(17) DANTE, Moretti. Op. cit.

(18) ARTAUD, Antonin. Van Gogh: o Suicidado Pela Sociedade. In: WILLER, Cláudio (Org.). Rebeldes e Malditos: Escritos de Antonin Artaud. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 1983, p. 133.



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 Quem é Wilheln Reich

   Nasceu em 24 de março de 1986, em Dobrzanica, uma pequena aldeia do distrito de Peremyshliany, no noroeste da Ucrânia(na época o território pertencia ao Império (Autro-Húngaro), no seio de uma família abastada de proprietários judeus germanizados. Era filho de Leon e Cecilie Reich. Pouco depois, a família mudou-se para sul, para a região da Bukovina, onde o pai foi cuidar de uma grande fazenda em Jujinetz.

   O jovem Reich foi educado estritamente segundo a cultura alemã e os pais mantiveram-no sempre afastado da população judaica de culturaiídiche. Até aos 13 anos teve sempre professores particulares e depois estudaria no liceu de Czernowitz. 

   Desde cedo, vivendo na fazenda e em contacto directo com a natureza, se interessou pelos fenómenos e funções naturais. Na sua autobiografia de juventude, Passion of Youth, Reich conta que aos quatro anos já sabia o essencial sobre a sexualidade animal e humana.

    Em 1918, com o final da guerra, Reich regressou a Viena e à vida civil e, ansioso de aprender rapidamente uma profissão que lhe permitisse subsistir, ingressou no curso de Direito, o mais breve de todos, mas depressa se aborreceu e logo se transferiu para a Faculdade de Medicina, onde, aluno sobredotado, e valendo-se do seu estatuto especial de veterano de guerra, completou o curso de seis anos em apenas quatro. Sobrevivia dando explicações aos seus colegas. Em 1919, ao preparar um seminário sobre sexologia conhece Freud e fica bastante impressionado com o seu mestre: "Ao contrário dos outros [psicanalistas], Freud não se dava ares e comportava-se com a maior das naturalidades. Os seus movimentos eram ágeis e descontraídos."

  Carreira

   Formando-se em 1922, inicia seus trabalhos com o tratamento de pacientes com distúrbios mentais, na Universidade Neurológica e Psiquiátrica, junto a Paul Schilder. Inclui no tratamento técnicas de hipnose de psicoterapia. Em 1924, faz sua pós-graduação, sendo membro integrante da sociedade psicanalítica de Viena, até 1930.

   Foi casado com a sua ex - paciente Annie Reich (que se tornaria psicanalista), de quem se divorciou em 1932, e de quem teve duas filhas, Eva e Lore. Viveu mais tarde com a bailarina Elsa Lindenberg, de quem se separaria ao partir para os E.U.A.. Pouco depois de lá chegar, viveria com a sua assistente Ilse Ollendorf, com quem se casaria e com quem teve um filho, Peter. Mais tarde, divorciar-se-ia de Ilse e teria uma ligação com a bióloga e sua colaboradora, Aurora Karrer, sua última companheira.

   Em 1933 é forçado pelo nazismo a sair da alemanha, mudando-se para Olso, na Noruega, elaborando no Instituto de Psicologia da universidade local. Ali vive até 1939, quando muda-se para Nova Iorque, cuidando de divulgar suas idéias, agora na língua inglesa, tendo seu livro "A função do orgasmo" sido neste idioma publicado a primeira vez em 1942.

   Nos Estados Unidos Reich cria um instituto para o estudo do "orgone", passando a fazer muitas pesquisas, inclusive para tratamento do câncer, pesquisas essas publicadas em seu livro "A Biopatia do Câncer". Em 1954 passa a ser investigado pela FDA (Federal Food and Drug Administration), que lhe rende um processo e posterior aprisionamento, após infrutíferas tentativas de apelação. Reich não reconhecia outra pessoa na defesa de sua ciência para si.

   Encarcerado desde 12 de março de 1957, morre de ataque cardíaco em 3 de novembro. Reich dava grande ênfase à importância de desenvolver uma livre expressão de sentimentos sexuais e emocionais dentro do relacionamento amoroso maduro. Reich enfatizou a natureza essencialmente sexual das energias com as quais lidava e descobriu que a bioenergia era bloqueada de forma mais intensa na área pélvica de seus pacientes.

   Ele chegou a acreditar que a meta da terapia deveria ser a libertação dos bloqueios do corpo e a obtenção de plena capacidade para o orgasmo sexual, o qual sentia estar bloqueado na maioria dos homens e das mulheres.

   As opiniões radicais de Reich a respeito de sexualidade resultaram em consideráveis equívocos e distorções de seu trabalho por autores futuros e, conseqüentemente, despertaram muitos ataques difamatórios e infundados.

   Wilhelm Reich se interessou muito pela sexualidade humana. Quando era jovem estudante de Medicina, Reich visitou Freud pela primeira vez para procurar ajuda a fim de organizar um seminário sobre sexologia na escola médica que ele freqüentava (Higgens e Raphael, 1967). Além disso, a principal atividade política de Reich consistia em ajudar a fundar clínicas de higiene sexual patrocinadas pelos comunistas para a classe trabalhadora, na Austria e na Alemanha.

   As idéias de Reich e suas clínicas eram muito controvertidas para a época e seu programa de para as clínicas de orientação sexual incluía características modernas ainda hoje. Entre seus tópicos destacavam-se:

1. Livre distribuição de anticoncepcionais para qualquer pessoa e educação intensiva para o controle da natalidade.
2. Completa abolição das proibições com relação ao aborto.
3. Abolição da distinção legal entre casados e não-casados; liberdade de divórcio.
4. Eliminação de doenças venéreas e prevenção de problemas sexuais através da educação sexual.
5. Treinamento de médicos, professores etc., em todas as questões relevantes da higiene sexual.
6. Tratamento, ao invés de punição, para agressões sexuais.

   Caráter: De acordo com Reich, o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações. Inclui atitudes e valores conscientes, estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por diante) e atitudes físicas (postura, hábitos de manutenção e movimentação do corpo).

   O conceito de caráter já havia sido discutido anteriormente por Freud, em sua obra Caráter e Erotismo Anal. Reich elaborou este conceito e foi o primeiro analista a tratar pacientes pela interpretação da natureza e função de seu caráter, ao invés de analisar seus sintomas.

   A Couraça Caracterológica: Reich sentia que o caráter se forma como uma defesa contra a ansiedade criada pelos intensos sentimentos sexuais da criança e o conseqüente medo da punição. A primeira defesa contra este medo é o Mecanismo de Defesa do Ego conhecido por repressão, o qual refreia os impulsos sexuais por algum tempo. À medida que as Defesas do Ego se tornam cronicamente ativas e automáticas, elas evoluem para traços ou couraça caracterológica.

   Esse conceito de couraça caracterológica de Reich inclui a soma total de todas as forças defensivas repressoras organizadas de forma mais ou menos coerente dentro do próprio ego. Para ele, o desenvolvimento de um traço neurótico de caráter indicaria a solução de um problema reprimido ou, por outro lado, ele torna o processo de repressão desnecessário ou transforma a repressão numa formação relativamente rígida e aceita pelo ego.

   Assim pensando, Reich afirma que os traços de caráter neuróticos não são a mesma coisa que sintomas neuróticos. A diferença entre esses traços neuróticos e os sintomas neuróticos repousa no fato de que sintomas neuróticos, tais como os medos, fobias, etc., são experienciados como estranhos ao indivíduo, como elementos exteriores à psique, enquanto que traços de caráter neuróticos (ordem excessiva ou timidez ansiosa, por exemplo) são experimentados como partes integrantes da personalidade.

   A pessoa pode se queixar do fato de ser tímida, mas esta timidez não parece ser significativa ou patológica como são os sintomas neuróticos. As defesas de caráter são particularmente efetivas e, além disso, difíceis de se erradicarem pelo fato de serem bem racionalizadas pelo indivíduo e experimentadas como parte de seu auto-conceito.

  Reich se esforçou continuamente para tornar seus pacientes mais conscientes de seus traços neuróticos de caráter. Ele imitava com freqüência suas características, gestos ou posturas, ou fazia com que seus pacientes repetissem ou exagerassem uma faceta habitual do comportamento, por exemplo, um sorriso nervoso. À medida que os pacientes cessavam de tomar como certa sua constituição de caráter, aumentava sua motivação para mudar.

  A Couraça Muscular: Reich descobriu que cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente e que o caráter do indivíduo é expresso corporalmente sob a forma de rigidez muscular ou couraça muscular. Reich começou a trabalhar, então, no relaxamento da couraça muscular. Ele descobriu que a perda da couraça muscular libertava energia libidinal e auxiliava o processo de psicanálise. O trabalho psiquiátrico de Reich lidava cada vez mais com a libertação de emoções (prazer, raiva, ansiedade) através do trabalho com o corpo. Ele descobriu que isto conduzia a uma vivência muito mais intensa do que o material infantil trabalhado pela psicanálise.

   Reich começou, primeiramente, com a aplicação de técnicas de análise de caráter e das atitudes físicas. Ele analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos vitais em diferentes partes do corpo. Fazia os pacientes intensificarem uma tensão particular a fim de tornarem-se mais conscientes dela e de aliviar a emoção que havia sido presa naquela parte do corpo. Ele descobriu que só depois que a emoção assim "engarrafada" fosse expressa, é que a tensão crônica poderia ser aliviada por completo. Aos poucos, Reich começou a trabalhar diretamente com suas mãos sobre os músculos tensos a fim de soltar ás emoções presas a eles.

   Em seu trabalho sobre couraça muscular, Reich descobriu que tensões musculares crônicas servem ara bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva ou excitação sexual. Ele concluiu que a couraça física e a psicológica eram essencialmente a mesma coisa. Com esse raciocínio, as couraças de caráter eram vistas agora como equivalentes à hipertonia muscular.

   O Caráter Genital: O termo Caráter Genital foi usado por Freud para indicar o último estágio do desenvolvimento psicossexual. Reich adotou-o para se referir especificamente à pessoa que adquiriu potência orgástica. Para ele a potência orgástica era a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica, era a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.

   Reich descobriu que assim que seus pacientes renunciavam à sua couraça e desenvolviam potência orgástica, muitas áreas de funcionamento neurótico mudavam de forma espontânea. No lugar de rígidos controles neuróticos, os indivíduos desenvolviam uma capacidade para auto-regulação. Reich descreveu indivíduos auto-reguladores como naturais, mais do que morais. Eles agem em termos de suas próprias inclinações e sentimentos internos, ao invés de seguirem algum código externo ou ordens pré-estabelecidas por outros.

   Depois da terapia reichiana, muitos pacientes que antes eram neuroticamente promíscuos, desenvolviam grande ternura e sensibilidade e procuraram, de forma espontânea, relacionamentos mais duráveis e realizadores. Os(as) pacientes cujos casamentos eram estéreis e sem amor, descobriram na terapia reichiana que já não poderiam mais ter relações sexuais por um mero senso de obrigação.

   Os caracteres genitais não estão aprisionados em suas couraças e defesas psicológicas. Eles são capazes de se encouraçar, quando necessário, contra um ambiente hostil. Entretanto, sua couraça é feita mais ou menos conscientemente e pode ser dissolvida quando não houver mais necessidade dela.

   Reich escreveu que caracteres genitais trabalharam sobre o complexo de Édipo, de maneira que o material edipiano já não é mais tão intensamente carregado ou reprimido. O superego, para ele, tornam-se "sexo-afirmativo", portanto o Id e o Superego passam a estar em harmonia. O Caráter Genital é capaz de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por completo toda libido excessiva. Dessa forma, o orgasmo, o clímax da atividade sexual, seria caracterizado pela entrega à experiência sexual e pelo movimento desinibido, involuntário, ao contrário dos movimentos forçados ou até violentos dos indivíduos encouraçados.

   Bioenergia: Em seu trabalho sobre Couraça Muscular, Reich descobriu que a perda da rigidez crônica dos músculos resultava freqüentemente em sensações físicas particulares, em sentimentos de calor e frio, formigamento, coceira e uma espécie de despertar emocional. Ele concluiu que essas sensações eram devidas a movimentos de uma energia vegetativa ou biológica liberada.

   Reich também descobriu que a mobilização e a descarga de bioenergia são estágios essenciais no processo de excitação sexual e orgasmo. Ele chamou a isto de Fórmula do Orgasmo, um processo de quatro partes o qual Reich julgava ser característico de todos os organismos vivos.

- Tensão Mecânica
- Carga Bioenergética
- Descarga Bioenergética
- Relaxamento Mecânico

   Depois do contato físico, a energia se acumula em ambos os corpos e, por fim, é descarregada no orgasmo, o qual se constitui essencialmente num fenômeno de descarga da bioenergia. O ato sexual teria a seguinte seqüência:

1. Órgãos sexuais se entumecem de fluido - tensão mecânica
2. Resulta uma intensa excitação - carga bioenergética.
3. Excitação sexual descarregada em contrações musculares - descarga bioenergética.
4. Segue-se um relaxamento físico - relaxamento mecânico

   Energia Orgônica: Aos poucos Reich estendeu seu interesse pelo funcionamento físico dos pacientes à pesquisa de laboratório em Fisiologia e Biologia e, finalmente dedicou-se à pesquisa em Física. Ele chegou a acreditar que a bioenergia no organismo individual não é nada mais do que um aspecto de uma energia universal, presente em todas as coisas. Ele derivou o termo energia "orgônica" a partir de organismo e orgasmo. Dizia que a Energia Orgônica cósmica funciona no organismo vivo como energia biológica específica. Assim sendo, governa o organismo total e se expressa nas emoções e nos movimentos puramente biofísicos dos órgãos.

   A extensiva pesquisa de Reich sobre Energia Orgônica e tópicos relacionados à ela foi ignorada ou repudiada pela maioria dos cientistas. Seus achados contradizem muitos axiomas e teorias estabelecidos pela Física e Biologia, e é certo que o trabalho de Reich não deixa de ter falhas experimentais. Entretanto, sua pesquisa nunca foi rejeitada ou mesmo revista com cuidado e seriamente criticada por qualquer crítico científico respeitável.

   Desde que Reich anunciou a descoberta da Energia Orgônica até hoje, nenhuma repetição bem intencionada de qualquer experimento crítico em Energia Orgônica foi divulgada, confirmando ou refutando seus resultados. Apesar do ridículo, da difamação e das tentativas de se repudiar Reich e sua orgonomia, não existe nenhuma contra-evidência de seus experimentos em qualquer publicação científica, muito menos uma refutação sistemática dos trabalhos científico que sustentam sua posição.

   Segundo Reich, a Energia Orgônica teria as seguintes propriedades principais:

1. A Energia Orgônica é livre de massa; não tem inércia nem peso.
2. Está presente em qualquer parte, embora em concentrações diferentes, até mesmo num vácuo.
3. É o meio para a atividade eletromagnética e gravitacional, o substrato da maioria dos fenômenos naturais básicos.
4. A Energia Orgônica está em constante movimento e pode ser observada sob condições apropriadas.
5. Altas concentrações de Energia Orgônica atraem a Energia Orgônica de ambientes menos concentrados (o que contradiz a lei da entropia).
6. A Energia Orgônica forma unidades que se tornam o centro da atividade criativa. Estas incluem células, plantas e animais, e também nuvens, planetas, estrelas e galáxias.

   Crescimento Psicológico: Reich definiu crescimento como o processo de dissolução da nossa couraça psicológica e física, tornando-nos, gradualmente, seres humanos mais livres, abertos e capazes de gozar um orgasmo pleno e satisfatório.

   Reich achava que a couraça muscular está organizada em sete principais segmentos de armadura, que são compostos de músculos e órgãos com funções expressivas relacionadas. Estes segmentos formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com a espinha e o torso. Os principais segmentos da couraça estão centrados nos olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdome e pelve.

   De acordo com Reich, a Energia Orgônica flui naturalmente por todo o corpo, de cima a baixo, paralela à espinha. Os anéis da couraça formam-se em ângulo reto com este fluxo e operam para rompê-lo. Reich afirma que não é por acaso que na cultura ocidental aprendemos a dizer sim movendo a cabeça para cima e para baixo, na direção do fluxo de energia do corpo, enquanto que aprendemos a dizer não movendo a cabeça de um lado para o outro, na direção transversa da couraça.

   A couraça serve para restringir tanto o livre fluxo de energia como a livre expressão de emoções do indivíduo. O que começa inicialmente como defesa contra sentimentos de tensão e ansiedade excessivos, torna-se uma camisa-de-força física e emocional. No organismo humano encouraçado, a Energia Orgônica é presa nos espasmos musculares crônicos.

   Após a perda de um anel da couraça, o orgon do corpo não começa de imediato a correr livremente. Logo que os primeiros blocos da couraça são dissolvidos, nós descobrimos que, com os fluxos e as sensações orgônicas, a expressão do "dar" se desenvolve cada vez mais. Entretanto, couraças ainda existentes evitam seu desenvolvimento total.

   A terapia reichiana consiste em dissolver cada segmento da couraça, começando pelos olhos e terminando na pelves. Cada segmento é uma unidade mais ou menos independente com a qual se precisa lidar separadamente.

Três instrumentos principais são usados para dissolver a couraça:
1. Armazenamento de energia no corpo por meio de respiração profunda;
2. Ataque direto dos músculos cronicamente tensos (por meio de pressão, beliscões e assim por diante) a fim de soltá-los;
3. Manutenção da cooperação do paciente lidando abertamente com quaisquer resistências ou restrições que emergem.

   Os olhos: A couraça dos olhos é expressa por uma imobilidade da testa e uma expressão "vazia" dos olhos, que nos vêem por detrás de uma rígida máscara. A couraça é dissolvida fazendo-se com que os pacientes abram bem seus olhos, como se estivessem com medo, a fim de mobilizar as pálpebras e a testa, forçando uma expressão emocional e encorajando o movimento livre dos olhos, fazer movimentos circulares com os olhos e olhar de lado a lado.

   A Boca: O segmento oral inclui os músculos do queixo, garganta e a parte de trás da cabeça. O maxilar pode ser excessivamente preso ou frouxo de forma antinatural. As expressões emocionais relativas ao ato de chorar, morder com raiva, gritar, sugar e fazer caretas são todas inibidas por este segmento. A couraça pode ser solta encorajando-se o paciente a imitar o choro, a produzir sons que mobilizem os lábios, a morder e a vomitar e pelo trabalho direto com os músculos envolvidos.

   O Pescoço: Este segmento inclui os músculos profundos do pescoço e também a língua. A couraça funciona principalmente para segurar a raiva ou o choro. Pressão direta sobre os músculos profundos do pescoço não é possível, portanto, gritar, berrar e vomitar são meios importantes para soltar este segmento.

   O Tórax: Este segmento inclui os músculos longos do tórax, os músculos dos ombros e da omoplata, toda a caixa torácica, as mãos e os braços. Ele serve para inibir o riso, a raiva, a tristeza e o desejo. A inibição da respiração, que é um meio importante de suprimir toda emoção, ocorre em grande parte no tórax. A couraça pode ser solta através do trabalho com respiração, especialmente o desenvolvimento da expiração completa. Os braços e as mãos são dos para bater, rasgar, sufocar, triturar e entrar em contato com o desejo.

   O Diafragma: Este segmento inclui o diafragma, estômago, plexo solar, vários órgãos internos e músculos ao longo das vértebras torácicas baixas. A couraça é expressa por uma curvatura da espinha para frente, de modo que há um espaço considerável entre a parte de baixo das costas do paciente e o colchão. É muito mais difícil expirar do que inspirar. A couraça inibe principalmente a raiva extremada. Os quatro primeiros segmentos devem estar mais ou menos livres antes que o diafragma possa ser solto através do trabalho repetido com respiração e reflexo do vômito (pessoas com bloqueio intenso neste segmento acham virtualmente impossível vomitar).

   O Abdomen: O segmento abdominal inclui os músculos abdominais longos e os músculos das costas. Tensão nos músculos lombares está ligada ao medo de ataque. A couraça nos flancos de uma pessoa produz instabilidade e relaciona-se com a inibição do rancor. A dissolução da couraça, neste segmento, é relativamente simples, desde que os segmentos mais altos estejam abertos.

   A Pelve: Este segmento contém todos os músculos da pelve e membros inferiores. Quanto mais intensa a couraça, mais a pelve é puxada para trás e saliente nesta parte. Os músculos glúteos são tesos e doloridos, a pelve é rígida, "morta" e assexual. A couraça pélvica serve para inibir a ansiedade e a raiva, bem como o prazer.

   A ansiedade e a raiva resultam das inibições das sensações de prazer sexual, e é impossível experienciar livremente o prazer nesta área até que a raiva tenha sido liberada dos músculos pélvicos. A couraça pode ser solta primeiramente mobilizando a pelve e fazendo com que o paciente chute os pés repetidas vezes e também bata no colchão com sua pelve.

   Reich descobriu que à medida que seus pacientes começavam a desenvolver capacidade para plena entrega genital, toda sua existência e estilo de vida mudavam basicamente. Achava Reich que a unificação do reflexo do orgasmo também restaurava as sensações de profundidade e seriedade. Os pacientes lembram-se do tempo da sua primeira infância, quando a unidade de suas sensações corporais não estava perturbada.

   Tomados de emoção, falam do tempo em que, crianças, sentiam-se identificados com a natureza e com tudo que os rodeava, do tempo em que se sentiam "vivos" e como finalmente tudo isto fora despedaçado e esmagado pela educação. As pessoas começavam a sentir que a rígida moralidade da sociedade, que anteriormente reconheciam como certa, era uma coisa estranha e antinatural. Atitudes em relação ao trabalho também mudavam de forma nítida.

   Aqueles que faziam seu trabalho como uma necessidade mecânica, via de regra largavam seus empregos para procurar um trabalho novo e vital que preenchesse suas necessidades e desejos interiores. Aqueles que já estavam interessados em sua profissão, muitas vezes desabrochavam com energia, interesses e habilidades novas.

   Obstáculos ao Crescimento Couraça: A Couraça é o maior obstáculo ao crescimento segundo Reich. O indivíduo encouraçado seria incapaz de dissolver sua couraça e, portanto, seria incapaz de expressar as emoções biológicas primitivas. Ele conhece a sensação de agrado mas não aquela de prazer orgônico. Ele não pode emitir um suspiro de prazer e, se tentar, irá produzir um gemido, um berro reprimido ou um impulso para vomitar. Ele é incapaz de deixar sair um grito de raiva ou imitar um punho atingindo o colchão com raiva.

   Reich sentiu que o processo de encouraçamento havia criado duas tradições intelectuais distorcidas, as quais formaram a base da civilização: a religião mística e a ciência mecanicista. Os mecanicistas são tão bem encouraçados que não têm idéia real de seus próprios processos de vida ou de sua natureza interna. Eles têm um medo básico de emoções profundas, vivacidade e espontaneidade. Eles tendem a desenvolver um conceito rígido e mecânico da natureza e estão primariamente interessados nos objetos externos e nas ciências naturais.

   Comentando sua idéia, achava que pelo fato de uma máquina ter que ser perfeita, por conseguinte, o pensamento e as ações do homem da ciência também teriam que ser perfeitos. Perfeccionismo é uma característica essencial do pensamento mecanicista. Ele não tolera erros e incertezas, e as situações de mudança são inoportunas. Mas este princípio, quando aplicado a processos da natureza, inevitavelmente conduz à confusão, pois a natureza não opera mecanicamente, mas funcionalmente.

   Os místicos não desenvolveram sua couraça tão completamente. Eles permanecem, em parte, em contato com sua própria energia vital, e são capazes de grande compreensão interna (insight) por causa deste contato parcial com sua intimidade. Entretanto, Reich via essa compreensão interna (insight) como distorcida, uma vez que os místicos tendem a se tornar ascéticos e anti-sexuais, a rejeitar sua própria natureza física e a perder o contato com seus corpos. Eles repudiam a origem da força vital em seus próprios corpos e localizam-na numa alma hipotética, que eles sentem ter apenas uma tênue conexão com o corpo.

   Sobre os místicos, achava Reich que no rompimento da unidade de sentimento do corpo pela supressão sexual e no contínuo anseio de restabelecer contato consigo mesmo e com o mundo, encontra-se a raiz de todas as religiões negadoras do sexo. Deus seria a idéia mistificada da harmonia vegetativa entre o eu e a natureza.

   Repressão Sexual: Outro obstáculo ao crescimento é a repressão social e cultural dos instintos naturais e da sexualidade do indivíduo. Reich sentia que esta era a maior fonte de neuroses e que ela ocorre durante as três principais fases da vida, ou seja, durante a primeira infância, puberdade e idade adulta.

   Os bebês e as crianças pequenas são confrontados com uma atmosfera familiar neurótica, autoritária e repressora do ponto de vista sexual. Em relação a este período de vida, Reich basicamente reafirma as observações de Freud a respeito dos efeitos negativos das exigências dos pais, relativas ao treinamento da toalete, às auto-restrições e ao bom comportamento por parte das crianças pequenas.

   Durante a puberdade, os jovens são impedidos de atingir uma vida sexual real e a masturbação é proibida. Talvez até mais importantes que isto, a sociedade em geral torna impossível, aos adolescentes, lograr uma vida de trabalho significativa. Por causa deste estilo de vida antinatural, torna-se especialmente difícil aos adolescentes ultrapassar sua ligação infantil com os pais.

   Por fim, na idade adulta, a maioria das pessoas se vê envolvida na armadilha de um casamento compulsivo, para o qual estão sexualmente despreparadas. Reich também salienta que os casamentos desmoronam em conseqüência das discrepâncias sempre intensificadas entre as necessidades sexuais e as condições econômicas. As necessidades sexuais podem ser satisfeitas com um e o mesmo companheiro durante algum tempo. Também o vínculo econômico, a exigência moralista e o hábito humano favorecem a permanência da relação matrimonial. Isso acaba resultando na infelicidade do casamento. A situação familiar que se desenvolve segue de forma a recriar a mesma atmosfera neurótica para a próxima geração de crianças.

   Reich sentia que indivíduos criados numa atmosfera que nega a vida e o sexo desenvolvem um medo do prazer, o qual é representado por sua Couraça Muscular. Essa Couraça do Caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo da responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neurótica, assim como de uma condescendência patológica.

   Reich não era otimista demais no que dizia respeito aos possíveis efeitos de suas descobertas. Ele acreditava que a maioria das pessoas, por causa de sua intensa couraça, seria incapaz de compreender suas teorias e distorceria suas idéias. Para ele, um ensino sobre a vida, dirigido e distorcido por indivíduos encouraçados, irá acarretar um desastre final a toda a humanidade e às suas instituições. O resultado mais provável do princípio da potência orgástica será uma perniciosa filosofia de bolso, espalhada por todos os cantos. Tal como uma flexa que, ao desprender-se do arco, salta firmemente retesada, a procura de um prazer genital rápido, fácil e deletério devastará a comunidade humana.

   A couraça serve para nos desligar de nossa natureza interna e também da miséria social que nos circunda. Natureza e cultura, instinto e moralidade, sexualidade e realização são elementos que se tornam incompatíveis. A unidade e congruência de cultura e natureza, trabalho e amor, moralidade e sexualidade, unidade esta desejada desde tempos imemoriais, continuará a ser um sonho enquanto o homem continuar a condenar a exigência biológica de satisfação sexual natural (orgástica). A democracia verdadeira e a liberdade baseadas na consciência e responsabilidade estão também condenadas a permanecer como uma ilusão até que esta evidência seja satisfeita.

 Corpo: Reich, como a grande maioria dos autores modernos, via mente e corpo como uma só unidade. Aos poucos ele passou de um trabalho analítico, baseado apenas na linguagem, para a análise dos aspectos físico e psicológico do caráter e da couraça caracterológica, dando maior ênfase no trabalho com a Couraça Muscular e no desenvolvimento de um livre fluxo de bioenergia.

   Relacionamento Social: Reich via o relacionamento social como função do caráter do indivíduo. O indivíduo médio vê o mundo através do filtro de sua couraça. Caracteres genitais, tendo ultrapassado seu encouraçamento rígido, são os únicos verdadeiramente capazes de reagir de forma aberta e honesta aos outros.

   Reich acreditava firmemente nos ideais comunistas enunciados por Marx, aclamando a livre organização na qual o livre desenvolvimento de cada um se tornaria a base do livre desenvolvimento de todos. Reich formulou o conceito de democracia do trabalho, uma forma natural de organização social na qual as pessoas cooperam harmonicamente para favorecer suas necessidades e interesses mútuos, e tentou efetivar esses princípios no Instituto Orgon.

   Vontade: Reich não se interessou diretamente pela vontade, embora tenha enfatizado a importância de um trabalho significativo e construtivo. Um de seus princípios era de que "você não precisa fazer nada de especial ou novo.

   Tudo o que você precisa fazer é continuar o que tem feito: lavrar seu campo, manejar seu martelo, examinar seus pacientes, levar suas crianças à escola ou ao parque de diversões, falar sobre os fatos do dia, penetrar sempre mais profundamente nos segredos da natureza. Todas essas coisas você já faz. Mas você pensa que nenhuma delas tem importância... Tudo o que você tem a fazer é continuar o que você sempre fez e sempre quis fazer: seu trabalho, deixar suas crianças crescerem felizes, amar a mulher".

   Emoções: Reich descobriu que as tensões crônicas servem para bloquear o fluxo de energia subjacente às emoções mais intensas. A couraça impede que o indivíduo experimente emoções fortes e, portanto, limita e distorce a expressão de sentimentos. As emoções deste modo bloqueadas não são eliminadas, pois jamais podem ser completamente expressas. Segundo Reich, um indivíduo só se liberta de uma emoção bloqueada experienciando-a de forma plena.

   Reich notou também que a frustração do prazer, muitas vezes conduz à raiva e à fúria. Na terapia reichiana, em primeiro lugar é preciso lidar com as emoções negativas, para que os sentimentos positivos que elas encobrem possam ser completamente experienciados.

   Intelecto: Reich se opunha a qualquer separação de intelecto, emoções e corpo. Ele afirmava que o intelecto é, na verdade, uma função biológica, e que ele pode ter uma carga afetiva tão forte quanto qualquer emoção. Reich argumentava que o desenvolvimento completo do intelecto requer o desenvolvimento de uma verdadeira genitalidade. A primazia do intelecto pressupõe uma disciplinada economia de libido, isto é, primazia genital. A primazia intelectual e genital têm a mesma relação mútua que êxtase sexual e neurose, sentimento de culpa e religião, histeria e superstição.

   Acreditava Reich que, via de regra, o intelecto opera como mecanismo de defesa, de tal forma que a linguagem falada muitas vezes funciona também como uma defesa. Ela obscurece a linguagem expressiva do núcleo biológico. Em muitos casos, isto vai tão longe que as palavras já não expressam nada e a linguagem falada já não é nada mais do que uma atividade sem sentido dos respectivos músculos.

   Self: Para Reich, o Self é o núcleo biológico saudável de cada indivíduo. A maioria das pessoas não está em contato com o Self por causa da couraça física e das defesas psicológicas. Indagava Reich: "- O que é que impedia uma pessoa de perceber sua própria personalidade (Self)? Afinal, a personalidade (himself) é o que a pessoa é. Gradualmente comecei a entender que é o ser total que constitui a massa compacta e obstinada que obstrui todos os esforços da análise. A personalidade inteira do paciente, o seu caráter, a sua individualidade resistiam à análise".

   Segundo Reich, a interação de impulsos reprimidos e forças defensivas repressoras cria uma terceira camada entre as duas correntes libidinais opostas: uma camada de falta de contato. Esta falta de contato não está interposta entre as duas forças. É antes, uma expressão da interação concentrada das duas.

   O contato requer um livre movimento de energia. Ele só se torna possível quando o indivíduo dissolve sua couraça e torna-se plenamente consciente do corpo e de suas sensações e necessidades, entrando em contato com o núcleo, os impulsos primários. Enquanto há a presença de bloqueios, o fluxo de energia e a consciência são restritos, e a autopercepção é bastante diminuída e distorcida.

   Terapeuta: Além de treino na técnica terapêutica, o terapeuta deve ter feito um progresso considerável em seu crescimento e desenvolvimento pessoais. Ao trabalhar tanto psicológica quanto fisicamente com um indivíduo, o terapeuta deve ter superado todos os medos de sons sexuais abertamente emitidos e do "ondular orgástico", livre movimento de energia no corpo.

   Baker, um dos principais terapeutas reichianos nos Estados Unidos, recomenda que nenhum terapeuta deveria tentar tratar pacientes que tenham problemas que ele não foi capaz de solucionar em si mesmo, e nem deveria esperar que um paciente faça coisas que ele não pode fazer e que não foi capaz de fazer. Outro reichiano eminente escreveu que o pré-requisito indispensável em qualquer método usado pelo terapeuta para libertar as emoções contidas na musculatura é que ele esteja em contato com suas próprias sensações e que seja capaz de empatizar completamente com o paciente e de sentir em seu próprio corpo o efeito das constrições particulares da energia do paciente.

   Reich era ele próprio considerado um terapeuta brilhante e teimoso. Mesmo sendo um analista ortodoxo, ele era extremamente honesto e até brutalmente direto com seus pacientes. Nic Waal, um dos melhores psiquiatras da Noruega, escreveu o seguinte a respeito de suas experiências em terapia com Reich:
    "- Eu era capaz de suportar ser subjugado por Reich porque eu gostava da verdade. E, coisa bastante estranha, eu não era subjugado por isto. No decorrer de toda esta atitude terapêutica em relação a mim, sua voz era amorosa e ele sentava-se a meu lado e fazia-me olhar para ele. Reich me aceitava e subjugava apenas minha vaidade e minha falsidade. Mas eu entendi, naquele momento, que a honestidade e o amor verdadeiros, tanto de um terapeuta quanto dos pais, por vezes é a coragem de ser aparentemente cruel sempre que necessário. Entretanto, isto exige muito do terapeuta, de seu treinamento e de seu diagnóstico."

* - baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager - Harbra - 1980

Fonte:https://www.psicologoscampinas.com.br/sub/quem-e-wilhelm-reich.html

BIOENERGIA

Outro pesquisador da energia, Alexander Lowen, continuou o trabalho de Reich seguindo um caminho pessoal embora o nome que deu à sua linha teórica retome o bíon reichiano, a energia de vida.

Alexander Lowen foi o criador da bioenergética, a qual constituiu uma nova maneira de encarar a relação entre mente e corpo.

"A bioenergética é também uma técnica terapêutica que ajuda o indivíduo a reencontrar-se com o seu corpo, e a tirar o mais alto grau de proveito possível da vida que há nele. Ela é uma aventura de autodescoberta. Difere de formas similares de exploração da natureza do ser por tentar e perseguir o objetivo de compreender a personalidade humana em termos de corpo humano. Segundo Lowen, os processos energéticos do corpo determinam o que acontece na mente, da mesma forma que determinam o que acontece no corpo"

A busca pessoal que levou Lowen até a bioenergética seguramente não teria tido final feliz se ele não tivesse tido a formação terapêutica com Wilhelm Reich. Foi com Reich que ele assimilou a teoria da análise do caráter e aprendeu a técnica terapêutica de Reich durante seu processo de terapia com ele.

Desde a mocidade Lowen teve uma inclinação muito grande para exercícios físicos que lhe ocasionavam um extraordinário bem estar. Essa motivação para o trabalho corporal chegou a sistematizar-se quando foi discípulo de Reich "Durante os anos trinta fui diretor de esportes em diversos acampamentos de verão e descobri que um programa regular de atividades físicas não só melhorou minha saúde, como também teve resultados positivos em meu estado mental". Teve contato com a Eurritmia de Emile Jacques-Dalcroze e com o relaxamento progressivo de Jacobson e Ioga Hindu.

Discípulo de Reich desde que o conheceu em Nova York em 1940 até 1952. Neste período de tempo realizou sua análise com Reich durante três anos.

Para Reich a energia sexual era a energia. Já Lowen não dá toda ênfase para a energia sexual, afirmando que "Um indivíduo neurótico mantém um equilíbrio ao reter sua energia em tensões musculares e ao limitar sua excitação sexual. Um indivíduo saudável não possui limites, e sua energia não fica confinada na couraça muscular. Toda sua energia está conseqüentemente disponível para o prazer sexual ou para qualquer outro tipo de expressão criativa".

Durante o curso que Lowen fez com Reich sentiu um grande ceticismo em relação aos seus pressupostos por causa da "aparente supervalorização do papel do sexo nos problemas emocionais", no entanto no decorrer da segunda metade do curso, depois de ter começado a ler os ensaios de Freud sobre a sexualidade infantil, conseguiu perceber a validade das afirmações de Reich, ao entender o que Freud colocava, em estreita relação com a sua própria sexualidade infantil.

Em 1942 Lowen começou a fazer terapia com Reich e em paralelo participava das atividades científicas no laboratório:

"Iniciei minha terapia pessoal com Reich na primavera de 1942. Durante o ano anterior, fui freqüentador assíduo do laboratório de Reich. Ele mostrou-me alguns dos trabalhos que estava desenvolvendo com biopreparados e tecidos cancerosos. Um dia, então, ele me disse: "Lowen, se você está interessado neste trabalho, só existe uma forma de se introduzir nele, que é através da terapia". Essa afirmação me surpreendeu, pois eu não esperava por isso. E lhe disse: "Eu estou interessado, mas quero me tornar famoso". Reich levou a sério essa minha ressalva, tendo respondido: "Eu o farei famoso". Por todos esses anos, tive a afirmação de Reich como uma profecia. Era o impulso de que eu precisava para superar minha resistência e iniciar o trabalho para o qual consagrei toda a minha vida.

Minha primeira sessão de terapia com Reich foi uma experiência da qual jamais me esquecerei. Cheguei com a ingênua suposição de que não havia nada de errado comigo. Deveria apenas ser uma análise didática. Deitei-me na cama e estava usando um calção de banho. Reich não utilizou o divã, pois essa era uma terapia orientada para o corpo. Eu deveria dobrar os joelhos, relaxar, respirar com a boca aberta e o maxilar relaxado. Segui tais instruções e aguardei para ver o que acontecia. Depois de algum tempo, Reich disse: "Lowen, você não está respirando". Respondi: "É claro que estou, do contrário estaria morto". Ele então respondeu: "Seu tórax não se move. Sinta o meu". Coloquei minha mão sobre o seu tórax e senti que subia e descia com cada respiração. Eu certamente não estava respirando do mesmo modo.

Deitei novamente e voltei a respirar, desta vez cuidando que meu tórax se enchesse com a inspiração e se esvaziasse com a expiração. Nada aconteceu. Minha respiração continuou fácil e forte. Depois de alguns instantes, Reich disse: "Lowen, jogue sua cabeça para trás e abra bem os olhos". Fiz o que me foi pedido e... um grito irrompeu da minha garganta.

Era um dia bonito de início da primavera e as janelas do quarto se abriam em direção à rua. Para evitar qualquer embaraço com os vizinhos, o Dr. Reich me pediu que levantasse a cabeça, o que deteve o grito. Voltei a respirar profundamente. Pode parecer estranho, mas o grito não me incomodou. Eu não estava ligado a ele emocionalmente. Não senti medo. Depois que respirei por mais algum tempo, o Dr. Reich me pediu que repetisse o procedimento: jogar a cabeça para trás e abrir bem os olhos. Mais uma vez me veio um grito. Hesito em dizer que gritei, pois não me pareceu tê-lo feito. Simplesmente me aconteceu. Novamente não havia sentido contato com o som. Deixei a sessão com a impressão de que eu não estava tão bem quanto imaginara. Existiam coisas (imagens, emoções) na minha personalidade que não eram conscientes e então compreendi que elas haveriam de vir à tona"

Em seu livro "A função do orgasmo", Reich relata um atendimento que foi fundamental para a confirmação de seus pressupostos:

"Em Copenhague, no ano de 1933, tratei de um homem que opunha uma resistência especial ao desmascaramento de suas fantasias homossexuais passivas. Essa resistência se manifestava numa atitude extrema de tensão do pescoço ('pescoço-duro'). Após um ataque energético contra sua resistência, finalmente ele cedeu, mas de forma bastante alarmante. A cor de seu rosto mudava rapidamente do branco para o amarelo ou para o azul; sua pele estava manchada de várias cores; tinha fortes dores no pescoço e no occipital; teve diarréia, sentiu-se abatido e parecia ter perdido o equilíbrio"

Lowen mais tarde, refletindo sobre esse caso atendido por Reich, percebeu que: "O 'ataque energético' foi apenas verbal, mas foi direto à atitude de 'pescoço-duro' do paciente. Os sentimentos manifestaram-se somaticamente após o paciente ter abandonado uma atitude de defesa psíquica. Nesse ponto, Reich chegou a conclusão de que a "energia poderia ser contida por tensões musculares crônicas"

O estudo da atitude dos corpos de seus pacientes levou Reich a dizer que "não existe um indivíduo neurótico que não apresente tensão abdominal".

A seguir "Notou uma tendência comum a todos os seus pacientes de reter a respiração e inibir a exalação, correspondendo a um controle de seus sentimentos e sensações. Concluiu que o fato de reter a respiração serviu para diminuir a energia do organismo ao reduzir suas atividades metabólicas, o que, por sua vez, reduzia a formação da ansiedade. (...) Para Reich, então, o primeiro passo no procedimento terapêutico era conseguir com que o paciente respirasse mais fácil e profundamente. O segundo seria mobilizar qualquer expressão emocional que fosse mais evidente na face ou no comportamento do paciente."

Nas sessões subseqüentes, Reich continuou a sugerir a Lowen que se deitasse e respirasse o mais livremente possível, tentando permitir que ocorresse uma profunda expiração, e que se entregasse a seu corpo, não controlando qualquer expressão ou impulso que surgisse.

"Aconteceu uma série de coisas que gradualmente me puseram em contato com antigas recordações e experiências. De início, a respiração mais profunda a qual eu não estava acostumado, produziu em minhas mãos sensações fortes de formigamento que, em duas ocasiões, se transformaram num espasmo carpopedal, com uma forte câimbra nas mãos. Essa reação desapareceu na medida em que meu corpo se acostumou com o aumento de energia provocado pela respiração profunda. Houve um ligeiro tremor em meus lábios e em minhas pernas quando movi ligeiramente meus joelhos juntos ou isoladamente, ao ter seguido um impulso de esticar minha boca".

Durante uma sessão Lowen sentiu impulso de socar a cama em que estava deitado, vendo no lençol o rosto de seu pai que tinha lhe dado uma forte surra quando era garotinho. Percebeu então que estava esmurrando o pai e não a cama. Lowen relata várias experiências de infância, sendo a de emoção mais intensa o carão que levou da mãe por estar chorando demais quando tinha nove meses. Percebeu que o rosto que tinha visto quando gritou no início da terapia, era o rosto de sua mãe.

Depois desse fato a terapia entrou numa fase de pouco progresso, até que Reich falou para ele: "Lowen, você é incapaz de se dar a seus sentimentos. Por que você não desiste?".

Esse questionamento de Reich foi um choque terrível para Lowen que viu ruir por terra todo o seu projeto com Reich. As palavras de Reich fizeram Lowen cair e chorar com soluços como não tinha feito a muitos anos. Depois que se entregou a seus próprios sentimentos, foi possível continuar a terapia.

"Para Reich, o objetivo do tratamento era o desenvolvimento no paciente de sua capacidade de se entregar totalmente aos movimentos espontâneos e involuntários do corpo, os quais fazem parte do processo respiratório. Conseqüentemente, a ênfase recaía em deixar que a respiração se processasse o mais plena e profundamente possível. Se isso fosse feito, as ondas respiratórias produziriam um movimento de ondulação do corpo chamado, por Reich, de reflexo do orgasmo" .

Reich considera que as pessoas neuróticas não tem capacidade de ter orgasmo, sendo esse clímax condição para uma saúde emocional normal. "O orgasmo pleno, segundo Reich, descarrega todo o excesso de energia do organismo, não restando, portanto, nenhuma energia para suportar ou manter um sintoma ou comportamento neurótico". O orgasmo para Reich "representava uma reação involuntária do corpo como um todo, manifestada em movimentos rítmicos e convulsivos".

A respiração profunda durante as sessões podem determinar em certos indivíduos o que Reich chamou de reflexo do orgasmo. "Nesse caso, não existe clímax ou descarga de excitação sexual desde que não houve o acúmulo desse tipo de excitação, o que acontece é que a pelve se move espontaneamente para frente a cada expiração e para trás a cada inspiração. Esses movimentos são produzidos pela onda respiratória conforme for circulando para cima e para baixo, movida pela inspiração e pela expiração. Ao mesmo tempo, a cabeça executa movimentos similares aos da pelve com a diferença de que se move para trás na fase expiratória e para frente na fase de inspiração. Teoricamente, o paciente cujo corpo está suficientemente livre para ter esse tipo de reflexo durante a sessão de terapia também estaria capacitado a experimentar o orgasmo total no ato sexual. Tal paciente deve ser considerado emocionalmente saudável".

Depois de um ano de férias da terapia, Lowen a retomou em 1945. Nessa fase Lowen atendeu seu primeiro cliente em terapia reichiana. Apesar de Reich ter considerado a terapia de Lowen bem sucedida, anos mais tarde ele percebeu que permaneceram sem solução muitos dos principais problemas de sua personalidade. Os problemas não resolvidos com Reich, afirma Lowen tê-los superado anos mais tarde com a bioenergética.

"Em Setembro de 1947, deixei Nova York e fui com minha esposa para a universidade de Genebra, a fim de fazer o curso de medicina, de onde saí formado em junho de 1951, com o título de Dr. em Medicina (M.D.)"

A terapia reichiana foi modificada no sentido de que o terapeuta tivesse contato corporal com o paciente para que esse contato permitisse o relaxamento dos músculos trabalhados. Lowen relata que no caso dele, Reich trabalhou os músculos do maxilar.

Preciso acrescentar que "os terapeutas da bioenergética são treinados para utilizar suas mãos no intuito de palpar e de sentir espasmos ou bloqueios musculares; para aplicar a pressão necessária ao relaxamento ou à redução da tensão muscular, atentando para a tolerância do paciente à dor; para estabelecer contato através de um toque suave e tranqüilizador, que forneça apoio e calor. Hoje em dia é difícil compreender a amplitude do passo dado por Reich em 1943."

Depois de anos relutando Lowen chegou à conclusão "de que não existe apenas uma saída que desvenda todos os mistérios da condição humana". Chegou a perceber que se pensasse mais em termos de polaridades e de seus inevitáveis conflitos e soluções temporárias poderia compreender melhor seu cliente. "Uma visão da personalidade que vê o sexo como única chave para a personalidade é por demais restrita, mas ignorar o papel do sexo na determinação da personalidade do indivíduo é desprezar uma das mais importantes forças da natureza".

Para Lowen a felicidade é a consciência do crescimento. A terapia pode ajudar a crescer mediante "novas experiências e ajudando a remover ou reduzir os bloqueios e obstáculos à assimilação das experiências".

O GROUNDING - "Este conceito desenvolveu-se vagarosamente através dos anos, na medida em que se tornou evidente que todos os pacientes sentiam a falta de ter seus pés firmemente plantados no chão". Isso acontecia por estar fora de contato com a realidade. "Grounding, ou seja, fazer com que o paciente tenha contato com a realidade, com o solo onde pisa, com seu corpo e sua sexualidade, tornou-se uma das pedras fundamentais da bioenergética".

Lowen fez "um estudo intensivo sobre tipos de caráter, relacionando as dinâmicas físicas e psicológicas dos padrões do comportamento". Isso tudo serviu de base para o trabalho sobre o caráter feito na bioenergética.

A bioenergética tem como objetivo ajudar o indivíduo a abrir o seu coração para a vida e para o amor.

A ENERGIA SUTIL NA CALATONIA DE PETHÖ SANDOR

A calatonia é constituída basicamente por um conjunto de estímulos táteis, o terapeuta vai estimular com seus dedos os dedos dos pés, a sola dos pés e pontos nas pernas do paciente, finalizando na nuca.

Os toques do terapeuta constituem estímulos de energia sutil que passa para esses pontos do paciente. Esses pontos tocados tem uma ressonância energética sutil com áreas do sistema nervoso central e com glândulas de secreção interna. Se compreendermos desta maneira a calatonia, ela se alinha dentro da técnica Shiatsu dos orientais.

A calatonia ficou durante muitos anos sem ter sua descrição completa publicada, porque seu criador, Pethö Sandor, considerava que o aprendizado deveria começar pela vivência do método.

"No original grego o verbo Khalaó indica 'relaxação', e também 'alimentação', 'afastar-se do estado de ira, fúria, violência', 'abrir uma porta', 'desatar as amarras de um odre', 'deixar ir', 'perdoar aos pais', 'retirar todos os véus', etc.

(...) Assim, ainda conforme o próprio autor, a expressão calatonia indica uma condição de descontração, soltura, porém não apenas do ponto de vista do tônus muscular: em seu sentido mais amplo, refere-se também àquelas possibilidades de reorganização de tensões internas, cuja origem, o termo nos sugere analogicamente. "

Atualmente, segundo a professora Rosa Maria Farah, a calatonia é uma forma de intervenção terapêutica cuja extensão vai muito além das duas seqüências iniciais já citadas.

A ação do terapeuta na calatonia é de diluir as tensões acumuladas nos grupos musculares que manipula.

"Como sabemos, do ponto de vista fisiológico, o estímulo tátil é potencialmente capaz de eliciar uma variada gama de respostas. (...) O ato de lamber o filhote recém-nascido, presente nos mamíferos, demonstrou-se como fundamental para a sobrevivência do mesmo: muito mais do que 'lavar' o filhote, a fêmea fornece, assim, uma estimulação essencial para o desenvolvimento normal de sua prole. Observou-se, em cães e gatos privados das lambidas da fêmea, falhas severas do funcionamento do sistema geniturinário. A reversão deste processo foi obtida com carícias propiciadas aos animais pelas pessoas que os cuidavam".

No ser humano, o contato do bebê com sua mãe é fundamental para o desenvolvimento saudável, tanto físico como psicológico, a privação materna nos primeiros seis meses de vida do bebê pode levar à chamada depressão anacrítica descrita por Spitz.

O efeito terapêutico da calatonia tem pelo menos duas causas:

1- o toque sutil estimula ramificações nervosas a nível da pele, que levam esses estímulos à zonas neuronais nas quais se produzem endorfinas, substâncias que produzem um efeito psicológico de otimismo e jovialidade.

2- Todo ser humano tem um corpo etérico, uma envoltura eletromagnética que se concentra de forma mais intensa nos meridianos e pontos de acupuntura.

A energia que corre pelos meridianos e pontos de acupuntura, é a energia chi (energia universal) que assimilada é integrada ao corpo físico à nível da pele.

Pelo caráter eletromagnético do corpo etérico, quando duas pessoas tem contato sutil há uma interação entre as energias eletromagnéticas dos corpos etéricos, essa interação fluirá do corpo etérico com mais energia para aquele que tem menor, quando os toques se fazem em pontos da pele que tem ressonância com áreas cerebrais, essas áreas serão estimuladas pelo toque sutil.

A CALATONIA COMO RECURSO TERAPÊUTICO

Além dos efeitos bioenergéticos, ocasionados pela interação entre dois corpos etéricos e a ressonância do sistema nervoso central e nas glândulas de secreção interna do paciente, a calatonia também tem o efeito de mobilizar conteúdos psíquicos em nível consciente e inconsciente. É bastante freqüente que os pacientes tenham vivências relacionadas com situações traumáticas de suas vidas, e em alguns casos aparecem imagens coloridas que plasmadas com papel e guache, mostram uma criatividade artística não manifesta até então. Tanto as vivências traumáticas quanto as vivências artísticas, constituem ponto de partida para um enriquecimento do processo terapêutico.

Para o leitor que quiser aprofundar seu conhecimento sobre a calatonia, recomendamos o livro da psicoterapeuta e professora Rosa Maria Farah que consta na bibliografia.

Fonte:https://www.pucsp.br/clinica/boletim-clinico/boletim_14/boletim_14_03_01.html



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