AMO COMO O AMOR AMA - FERNANDO PESSOA



Não sei razão pra amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?
…………………………………………………………
Quando te falo, dói-me que respondas
Ao que te digo e não ao meu amor.
………………………………………………………….
Ah! não perguntes nada; antes me fala
De tal maneira, que, se eu fora surda,
Te ouvisse todo com o coração.
Se te vejo não sei quem sou: eu amo.
Se me faltas [...]
…Mas tu fazes, amor, por me faltares
Mesmo estando comigo, pois perguntas -
Quando é amar que deves. Se não amas,
Mostra-te indiferente, ou não me queiras,
Mas tu és como nunca ninguém foi,
Pois procuras o amor pra não amar,
E, se me buscas, é como se eu só fosse
Alguém pra te falar de quem tu amas.
…………………………………………………….

Quando te vi amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fôsse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.
……………………………………………………
E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma estrada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.
………………………………………………………
Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já longe, mas de longe…

………………………………………………………
Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta!
-Compreendo-te tanto que não sinto,
Oh coração exterior ao meu!
Fatalidade, filha do destino
E das leis que há no fundo deste mundo!
Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto
De o sentir…?
………………………………………………………

Fernando Pessoa
A Falência do prazer e do amor - XXI in «Obra Poética», Primeiro Fausto



Comentários