DA COMPLETUDE AO VAZIO...ASPECTOS DO NARCISISMO





Narciso era um belo rapaz que todos os dias saia para contemplar sua beleza num lago.
Era tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado.


Sinteticamente, essa é a lenda grega de Narciso. Para a Psicanálise, o termo adquiriu um valor de conceito e, ao mesmo tempo, permitiu que Freud explicasse alguns aspectos do funcionamento psíquico, como um retorno da libido sobre o próprio sujeito. Um investimento de energia que o sujeito faz sobre ele mesmo, formando a imagem de si mesmo e um notável desinteresse pelo mundo exterior.

O Narcisismo é constituinte para o ser humano. É através dele que o bebê pode entender-se e investir-se como pessoa, deixar de ser assujeitado do desejo de um cuidador para ser um sujeito de seus próprios desejos. Dessa forma o mesmo é primordial e está intimamente ligado ao que chamamos auto-estima.

O termo pode referir-se a um sintoma quando o sujeito, como o Narciso da lenda, “apaixona-se” por si mesmo e passa a desinvestir do mundo externo, mantendo uma adaptação superficialmente aceita, mas com uma grande distorção em relação às figuras internalizadas em sua psique.

A pessoa passa a depender da admiração dos outros e torna incessante a busca por riqueza, poder, brilho e/ou beleza. Por outro lado demonstra uma imensa dificuldade com sua capacidade de amor e preocupação com os demais, o que coloca o empobrecimento dos vínculos no centro da questão.

O número de pessoas com dificuldades em encontrar o “outro ideal” é uma crescente na prática clínica. Sujeitos que buscam preencher um vazio interno com a presença de outra pessoa (amigo, namorado, marido). Um outro que provenha e preencha uma falta que o sujeito sequer percebe existir. Relacionamentos em que a pessoa garante a posição de destaque: tudo que é do outro é ruim – ele não acompanha, não cuida, não faz o que quero, não faz o que precisa ser feito, quer dominar o tempo todo, enfim, não corresponde às expectativas levantadas, “não me merece”! A pessoa sente-se dependente, sufocada, ameaçada e rompe. Rompimentos são constantes. Mas aqui falamos de rompimentos sem negociação, sem tolerância, sem respeito à diferença do parceiro ou parceira.

Mas qual é a verdadeira ameaça? Para o narcisista nada é mais ameaçador do que depender do outro. Entregar-se a um relacionamento pode soar para o sujeito como a anulação do próprio EU. Atrás de todo esse sentimento de grandiosidade aparece um sujeito extremamente inseguro, abandonado por seus próprios recursos e com uma grande distorção interna que fica projetada na figura do parceiro que transita entre dois extremos – de uma super valorização para uma abissal desvalorização. Toda essa defesa narcísica tem uma única finalidade: manter intacto este sujeito que um dia dependeu de alguém e se frustrou, frustração que tornou-o indisponível para “sofrer” de novo. (Fica registrada uma marca interna que vincula a dependência de outras pessoas a uma frustração, a um sofrimento)

A realidade reforça este sentimento de desesperança, a história se repete. A busca constante pela perfeição, pela beleza, o imediatismo, impede de que essas pessoas possam se dar conta de que um relacionamento afetivo não implica necessariamente em um sentimento de completude, em uma aliança perfeita, onde os dois combinam e assim passarão os restos de seus dias.

É preciso criar um espaço para um outro diferente, um outro que não precise dar conta desse vazio interior ou suprir qualquer expectativa levantada. Até porque, para que exista este espaço, permitindo a entrada do outro, é necessário que o sujeito se depare com seu próprio vazio narcísico e descubra em si mesmo recursos para o enfrentamento das adversidades da vida. Renunciar a perfeição narcísica de sua infância não é tarefa fácil, mas imprescindível, para implicar-se em sua própria história, tornar-se sujeito de seus próprios desejos, como bem dizia o poeta Cazuza.


Fonte do Texto : Angélica Possebon e Lucelia Rebeschini Via Piana- Psicólogas do GEPP - Grupo de Estudos Psicanalíticos de Passo Fundo.

Comentários